Estreia do ator Lázaro Ramos na realização, "Medida Provisória" não tem previsão de lançamento comercial, devido às dificuldades da Agência Nacional do Cinema (Ancine). O filme foi exibido pela primeira vez no Brasil durante o 23.º Festival Internacional de Cinema do Rio, com uma calorosa receção.
A disponibilização para o público geral depende da Ancine, que há mais de um ano não dá resposta conclusiva aos recursos submetidos pela produção, segundo a sua assessoria.
Desde que o caso veio à público, a agência tem sido acusada de censura velada ao filme, em especial por opositores ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Não vou dizer se é burocracia, ou censura, qualquer um dos dois é um entrave para a cultura", declarou Lázaro Ramos no debate posterior a uma exibição no festival.
Em abril, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, de promoção da cultura afro-brasileira, pediu boicote ao filme, descrevendo-o como "pura lacração vitimista e ataque difamatório contra o nosso presidente".
'Sensibilizar'
A obra já rodou o mundo em festivais, com uma ótima receção da crítica e prémios no Indie Memphis Film Festival, no Pan African Film (ambos nos Estados Unidos), no Festival de Huelva (Espanha) e também em Portugal, no FESTin (Lisboa).
"O propósito do filme é sensibilizar. Quero que a pessoa assista, chore e pense que ela é capaz de fazer alguma coisa na luta antirracista. Quero que a pessoa sorria e se sinta forte", disse à AFP o realizador, que apontou que a narrativa brinca com a linguagem, passeando entre o drama, a comédia e o thriller.
No Festival do Rio, o elenco e a equipa viram pela primeira vez a reação do público brasileiro.
"Foi muito emocionante", contou à AFP a atriz Taís Araújo, que interpreta a médica Capitu, casada com o advogado Antônio, papel do anglo-brasileiro Alfred Enoch, conhecido pela saga cinematográfica "Harry Potter" e a série "Como Defender um Assassino".
A sua personagem é uma "mulher negra que inicialmente não está a fim de falar sobre racismo, só quer se dar o direito de viver, mas a vida chama e ela precisa mergulhar" no tema, explicou.
"Medida" é uma adaptação da peça "Namíbia, não!", de 2011, também dirigida por Lázaro Ramos e escrita por Aldri Anunciação, que também é ator e coargumentista do filme.
'Filtro'
A Ancine alega que o projeto está em "fase de análise do pedido de investimento para a sua distribuição em salas de cinema" e segue o "trâmite normal".
A produção rebateu, detalhando que o que impede o lançamento é "a demora da Ancine em concluir os trâmites necessários para a troca de distribuidora do filme", pedido feito no final de 2020.
A área técnica do órgão público não encontrou nenhum obstáculo e já deu sinal verde, mas ainda falta aprovação final da sua Superintendência de Fomento, segundo a advogada do filme.
A data de estreia já precisou de ser alterada duas vezes. Por ter recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) investidos na sua produção, esclareceu ela, o primeiro destino comercial precisa de ser o cinema.
O caso lembra o ocorrido com "Marighella", sobre o guerrilheiro Carlos Marighella, morto pela ditadura militar. Dirigido por Wagner Moura, o filme teve dois recursos negados pela Ancine em 2019.
Em julho do mesmo ano, Bolsonaro havia expressado o desejo de filtrar produções do cinema nacional.
"Se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos, ou extinguiremos", afirmou o presidente.
Atrasado ainda pela pandemia, "Marighella" - protagonizado por Seu Jorge, que também atua em "Medida", no papel do jornalista André - acabou por se estrear em novembro passado.
Questionado sobre as dificuldades de se abordar temáticas sociais no Brasil, Lázaro Ramos ressaltou o papel da arte: "A gente não vai parar de debater, porque é um tema importante, é pensar como esse país foi construído. [...] A arte é muito poderosa, a gente não pode abrir mão desse lugar".
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