Depois de "Shelley", estreado em 2016 na Berlinale e em Portugal exibido no MOTELX, o sueco Ali Abassi retoma alguns dos paradigmas do seu elogiado filme de estreia: "Na Fronteira" está em exibição exclusiva no UCI El Corte Inglés, em Lisboa, e UCI Arrábida no Porto, estando ainda disponível desde quinta-feira em DVD e na plataforma Filmin.
O vencedor da secção A Certain Regard do Festival de Cannes do ano passado conta a história de uma segurança de aeroporto (Eva Melander) com um impressionante faro (literalmente) para descobrir criminosos: ela consegue "cheirar" a culpa, a raiva e a vergonha como se fosse um detetor moral das pessoas que atravessam tranquilamente as portas do aeroporto.
Ela sofre de uma terrível doença que a deforma fisicamente e que ela acreditava ser acromegalia; como uma espécie de reflexo físico do seu mundo mental, ela é reclusa e socialmente inadaptada, o que também se reflete numa vida celibatária. A sua vida muda, no entanto, quando conhece um viajante (Eero Milonoff) que parece sofrer do mesmo mal.
Se em "Shelley" o título referia-se diretamente ao clássico de Mary Shelley, em "Na Fronteira" o arquétipo de inadaptação social e da incapacidade dos humanos em lidar com a diferença de "Frankenstein", um dos grandes temas da história da escritora, volta a estar em pauta.
A partir daí, Abassi constrói um grotesco conto de fadas que não exclui terríveis elementos de "body horror", pedofilia e rapto de crianças e onde a parábola do mundo das fadas ("feios por fora, bonitos por dentro" e vice-versa) transforma esses ogres da floresta e a sua comunhão com a natureza numa ode à diferença, usando de bizarrices visuais que exigem do espectador a mesma tolerância que dos demais protagonistas da história. Ao mesmo tempo, os seres humanos designados por "normais" aparecem capazes das mais monstruosas atrocidades.
Apesar de não entrar na lista final dos candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro depois de indicado pela Academia Sueca, a obra marcou presença na categoria de Melhor Caracterização (assinada por Göran Lundström e Pamela Goldammer), perdendo para "Vice". E o menos que se pode dizer é que, quase um século depois de Boris Karloff ter sofrido nas mãos do célebre caracterizador Jack Pierce em "Frankenstein", também Eva Melander levou as suas doses diárias de quatro horas de tortura para ganhar o aspeto que têm no filme.
Como bom reflexo das perversidades humanas destes tempos, Ali Abassi não conseguiu ir à cerimónia pelo facto de ter passaporte iraniano, mas deixa no todo um belo e surpreendente filme para quem está a sempre à procura de novas formas de cinema.
TRAILER "NA FRONTEIRA".
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