Tal como o nome "Olhares do Mediterrâneo - Cinema no Feminino" indica, o conceito do festival abrange uma perspetiva que reúne as produções dos países em torno do Mar Mediterrâneo, espaço que culturalmente intermedia as relações entre o sul da Europa e o norte da África, e a produção cinematográfica das mulheres nestes países.
"Figlia Mia" (foto), obra de Laura Bispuri estreada na última edição do Festival de Berlim, abre o festival – que inclui ainda uma ampla variedade de longas e curtas-metragens nas áreas de ficção e documentário.
As atividades paralelas, por sua vez, incluem "masterclasses", debates diversos e eventos diferenciados – que incluem até degustação de chá marroquino ou de cerveja.
Uma das diretoras do evento, Sara David Lopes, justificou o sucesso do festival e concedeu mais alguns pormenores sobre projetos importantes da programação.
O vosso evento chegou à 5ª edição de iniciar com dois conceitos pouco habituais no panorama de festivais em Portugal. De um lado, a questão do Mediterrâneo; de outro um olhar no feminino. Como vê essa trajetória?
Efetivamente, achamos que embora houvesse uma grande quantidade de festivais, não havia nada que celebrasse nem a cultura mediterrânica nem o trabalho das mulheres em particular – algo que existe em muitos outros países. O projeto foi-se construindo e amadurecendo e chega hoje à quinta edição num formato que tem vindo a consolidar-se – com espaço para muito programação paralela que nos faz sentido e tem sido programada de uma forma integrada.
A bacia do Mediterrâneo é um espaço muito eclético que não deixa de ter, ao mesmo tempo, um fio cultural condutor. Há uma centralidade de temas que nos chegam dos dois ou mesmo dos três lados do Mediterrâneo e há preocupações muito centrais que de forma diversa afetam toda essa zona. As mulheres, por seu turno, têm espaço muito particular em toda a trama social desta zona e o seu olhar reflete bem isso – para além das desigualdades de oportunidades entre elas. Entendemos que eram ingredientes preciosos e interessantes para lançar as bases para esse festival que temos vindo a construir.
Este ano há um filme mediático, em termos de circuito alternativo, para abrir o festival. "Figlia Mia" esteve em Competição no Festival de Berlim e tem Valeria Golino e Alba Rohrwacher nos papéis principais. O que pode adiantar sobre o filme?
Trata-se do segundo filme de Laura Bispuri, uma realizadora que fez uma primeira obra muito interessante, “As Virgens Juradas”, que teve passagem no circuito comercial em Portugal. À semelhança do primeiro, este é também uma história de mulheres invulgares e algo atormentadas, focado em percursos de vida. Na trama, Vittoria é uma menina de dez anos, dividida entre as duas mães, a adotiva e a biológica, que representam para ela, na idade em que está, coisas muito diferentes e igualmente importantes e formativas. É um filme belíssimo, com uma fotografia extraordinária e onde a interpretação destas três personagens femininas enche o ecrã.
O coletivo de B’Tselem tem feito um importante trabalho de resistência contra a ocupação israelita. O que pode adiantar sobre “Diários do Vale Jordão”?
Quando começámos a pensar na programação, a ideia era programar os dois filmes “Diários do Vale do Jordão” a acompanhar as obras de pintura de uma das duas realizadoras, Khadijeh Bsharat, que vemos no vídeo “The Dream Will Never Come True”. Infelizmente, devido precisamente às muitas dificuldades de comunicação e logísticas causadas pela ocupação israelita não foi possível realizar a exposição. Decidimos, porém, manter a programação dos vídeos como forma de dar a conhecer a um público cada vez mais alargado o trabalho do coletivo B’Tselem, contribuir a denunciar a ocupação israelita e, muito importante para nós, dar uma ocasião a estas jovens realizadoras de mostrar o seu trabalho e expressar a suas vivências. Ao mesmo tempo, pensamos que a projeção destes dois filmes, que mostram de forma muito simples e direta as injustiças diárias da ocupação, podiam ser o ponto de partida para discutirmos um problema com que nos deparámos na construção da programação: o do boicote cultural a Israel.
Ou seja, admitindo um posicionamento alinhado, até que ponto é que isso interfere com a programação de eventos culturais e em que medida é que é justo penalizar os artistas israelitas que até podem estar em total desacordo com a Ocupação? Foram reflexões que tivemos e que nos obrigaram a pensar sobre estas questões de uma forma mais académica. Estes filmes-diário, integrados no "Camera Project" do coletivo B’Tselem, integram uma programação cinematográfica paralela aos filmes em competição no Festival e servem de mote a uma conversa moderada pela investigadora Silvia Di Marco com Shaad Waad, uma investigadora de ciências sociais que vive em Portugal, e Darine Hotait, uma das realizadoras que veio a Portugal apresentar o seu filme, “Like Salt”.
“Olhares do Mediterrâneo - Cinema no Feminino” é organizado pela Olhares do Mediterrâneo em parceria com a CRIA (Centro de Rede de Investigação em Antropologia) e a programação detalhada pode ser encontrada aqui.
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