A caminho dos
Óscares 2022
Após um ano na Union Station, em Los Angeles, por contingências da pandemia, este domingo Hollywood volta a reunir-se para a sua grande noite no Dolby Theatre, que acolhe a cerimónia desde 2002. As várias cerimónias de entrega de prémios que antecederam os Óscares deixaram poucos consensos e muitas incertezas na previsão dos vencedores das estatuetas douradas, mas parece que pela primeira vez um Óscar de Melhor Filme irá mesmo parar a uma plataforma de “streaming”: ou à Netflix por “O Poder do Cão” ou à Apple TV+ por “Coda – No Ritmo do Coração”, que parecem ser os mais fortes candidatos à vitória do troféu principal da noite.
“Belfast”, “Dune – Duna”, “King Richard: Para Além do Jogo”, “Licorice Pizza”, “Nightmare Alley – Becos das Almas Perdidas”, “Não Olhem para Cima” e “West Side Story” são os outros oito nomeados ao Óscar de Melhor Filme, uma selecção diversificada que contém alguns recordes: “Drive My Car” é o primeiro filme japonês nomeado a essa categoria e “Coda” é a primeira película com um elenco principal maioritariamente surdo na mesma corrida. “O Poder do Cão” é o primeiro filme realizado por uma mulher a receber mais de 10 nomeações, e Jane Campion a primeira realizadora a chegar à segunda nomeação tanto a Melhor Filme como a Melhor Realização.
Por seu lado, com “West Side Story”, Steven Spielberg torna-se o primeiro cineasta a ver o seu trabalho nomeado em seis décadas diferentes aos Óscares de Melhor Realização e Melhor Filme, e com “Belfast” Kenneth Branagh torna-se o primeiro artista nomeado em sete categorias diferentes ao longo da sua carreira (às nomeações de Melhor Filme, Realização e Argumento Original somam-se as anteriores a Melhor Ator, Melhor Ator Secundário, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Curta-Metragem de Imagem Real).
Devido ao prazo alargado do ano passado, a cerimónia deste ano contempla filmes estreados entre 1 de março e 31 de dezembro de 2021 (em vez de 1 de janeiro) mas a grande diferença prende-se com o próprio espectáculo e a nova tentativa de parar a queda de audiências que se tem vindo a sentir de forma cada vez mais aguda na última década.
Por um lado a cerimónia terá três anfitriãs: Regina Hall, Amy Schumer e Wanda Sykes. Por outro, está prometida uma interpretação ao vivo da canção de “Encanto” “We Don’t Talk About Bruno”, que se tornou um imenso fenómeno viral, além de homenagens aos 50 anos de “O Padrinho” e aos 60 da estreia de James Bond no cinema.
Mas a mudança mais radical, e a que mais polémica tem gerado, é a deslocação da apresentação dos prémios em oito categorias (Montagem, Banda Sonora, Som, Direção Artística, Caracterização, Curta-Metragem de Animação, Curta-Metragem Documental e Curta-Metragem de Imagem Real) para a hora que antecede a emissão ao vivo, sendo os discursos depois integrados na íntegra na cerimónia. É um esforço para reduzir a duração do espetáculo e lhe dar mais dinamismo, que tem sido duramente criticado por gerar hierarquias entre artistas numa festa que é suposto celebrar todos por igual.
Com uma qualidade muito acima da média no conjunto dos filmes nomeados, a noite promete ser tudo menos previsível, com muitas surpresas para juntar às histórias de 93 edições dos prémios.
Melhor Filme: A estatueta mais ambicionada
É o troféu mais desejado da história da Sétima Arte, aquele que só por si garante um lugar na memória coletiva do cinema e que já foi entregue a 93 filmes.
Os vencedores do Óscar para Melhor Filme reúnem algumas das películas que se tornaram emblemáticas na história da Sétima Arte, como "E Tudo o Vento Levou", "Casablanca" ou "Música no Coração", mas também obras inesperadas que o galardão ajudou a colocar na imaginário coletivo, como "O Cowboy da Meia-Noite" e "O Silêncio dos Inocentes".
A categoria de Melhor Filme é a única em que todos os membros da Academia votam não só na atribuição do prémio final (como sucede em todas as categorias, exceto nos documentários, curtas-metragens e filme internacional) mas também nas próprias nomeações, que nos outros casos são da exclusividade dos membros do respetivo ramo profissional na Academia (os argumentistas votam nos nomeados para Melhor Argumento Adaptado e Original, os realizadores votam nos nomeados para Melhor Realizador e por aí fora).
O prémio é atribuído aos produtores e todos os filmes estreados em Los Angeles no respetivo ano podem concorrer, mesmo se não forem falados em inglês, caso que já aconteceu nove vezes: "A Grande Ilusão" (1938), "Z – A Orgia do Poder" (1969), "Os Emigrantes" (1972), "Lágrimas e Suspiros" (1973), "O Carteiro de Pablo Neruda" (1995), "A Vida é Bela" (1998), "O Tigre e o Dragão" (2000), "Cartas de Iwo Jima" (2007), "Amor" (2013), "Roma" (2018), "Parasitas" (2019) e "Drive My Car" (2022), isto para além de "O Artista", que venceu em 2012, e era um filme francês embora os diálogos - em intertítulos - fossem todos em inglês, e de "Minari", nomeado no ano passado, de produção americana mas com uma grande parcela falada em coreano. E foi há dois anos que precisamente o sul-coreano "Parasitas" fez história ao ser a primeira película não falada em inglês a ganhar o Óscar de Melhor Filme.
Também é possível a animação chegar ao top da Academia, embora isso só tenha sucedido três vezes, em 1992, com "A Bela e o Monstro", em 2010, com "Up - Altamente!" e em 2011 com "Toy Story 3".
Foi só em 1944 que as nomeações estabilizaram nas cinco por ano, com os anos anteriores a contabilizarem mais do dobro das designações, com o recorde de 12 películas nomeadas para Melhor Filme em 1934 e 1935. Só em 2010 é que as nomeações subiram de cinco para até 10 na categoria de Melhor Filme. passando a ser de precisamente 10 em 2022.
Os Óscares começaram a ser atribuídos na transição do cinema mudo para o sonoro, e por isso, oficialmente, só houve um filme mudo a vencer na categoria principal: Asas, de William Wellman, no primeiro ano em que foram atribuídos prémios, em 1928. Oficialmente, porque, na verdade, nessa primeira edição, o prémio estava dividido em Melhor Produção (cujo vencedor foi Asas) e Produção de Maior Qualidade Artística (cujo vencedor foi "Aurora", de F.W.Murnau). Além disso, em 2012, "O Artista", um filme sem diálogos mas com banda sonora síncrona e alguns efeitos sonoros, que homenageava precisamente o cinema mudo, também conseguiu conquistar o troféu principal.
No ano seguinte, o galardão unificou-se, passando a centrar-se genericamente na Melhor Produção e considerando a Academia que, nessa cerimónia inicial, Asas ganhou o equivalente a esse troféu.
A alteração propriamente dita para Melhor Filme deu-se logo em 1931.
Em 2017, surgiu pela primeira vez um lapso: um troca de envelopes levou os apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway a anunciarem "La La Land: Melodia de Amor" quando o vencedor era "Moonlight". O último vencedor do prémio foi "Nomadland - Sobreviver na América", de Chloé Zhao.
Recorde todos os vencedores do Óscar de Melhor Filme:
A primeira cerimónia
Foi a 16 de Maio de 1929 que a primeira cerimónia de atribuição dos prémios de mérito da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas se realizou, numa altura em que os filmes sonoros davam os seus primeiros passos.
"Asas" foi o primeiro filme distinguido, Emil Jannings eleito o melhor ator, Janet Gaynor votada a melhor actriz e Franz Borzage escolhido como o melhor realizador.
Numa cerimónia com menos pompa e mistério do que as atuais, 250 pessoas assistiam à entrega dos prémios na Blossom Room do Hollywood Roosevelt Hotel.
Ao contrário do que acontece atualmente, os vencedores tinham já sido avisados previamente, assim como a imprensa, que publicava na edição noturna os resultados. A prática do envelope selado e da surpresa dos vencedores só foi utilizada pela primeira vez em 1941.
A película que venceu a distinção de Melhor Filme de 1927 foi "Asas", um filme de guerra mudo realizado por William A Wellman. Os méritos que lhe valeram o galardão não eram tanto os do filme em si, mas a ausência de concorrência à altura, uma vez que o outro único filme bem qualificado aos olhos do júri tinha já vencido o prémio de qualidade artística.
O galardão de Melhor Ator foi concedido a Emil Jannings pelo seu desempenho em "A Última Ordem" e "A Tortura da Carne". Os critérios de atribuição do prémio na primeira edição da cerimónia baseavam-se na produção anual e este ator germânico era muito respeitado pela comunidade cinematográfica dos anos 20. Outro candidato de peso, Charlie Chaplin, foi afastado do prémio uma vez que o júri tendia a favorecer os desempenhos dramáticos em relação aos cómicos.
A Melhor Atriz de 1927 foi Janet Gaynor, protagonista dos filmes "A Hora Suprema", "O Anjo da Rua" e "Aurora". O júri voltou a votar neste caso a favor da quantidade do trabalho, pois apesar destes três filmes constituírem os melhores exemplos de um bom desempenho por parte de Gaynor, o seu talento como atriz era facilmente ofuscado por estrelas como Mary Pickford que só não recebeu a nomeação para o prémio pela sua nítida falta de interesse em recebê-lo.
Assim, Janet Gaynor, com 22 anos, tornou-se a mais jovem atriz a receber a distinção até 1986, quando ele foi entregue a Marlee Matlin, com 21 anos na altura.
O prémio de Melhor Realizador de 1927 foi também atribuído com base na ausência de escolha. Dois dos candidatos tinham já recebido o galardão de melhores filmes: "Asas" e "Aurora". Na altura o responsável dos estúdios MGM fez pressão para que King Vidor, com o seu "A Multidão" fosse ignorado pelo júri pelo que restavam duas hipóteses: "A Hora Suprema" e
"O Circo".
O filme de Charlie Chaplin, apesar da sua qualidade, por ser um filme cómico, não reunia o favor dos votantes, que acabaram por se decidir por Frank Borzage.
Na vitória e na derrota: Quem bateu recordes nos Óscares?
Quem ganhou mais e quem perdeu mais estão sempre entre as perguntas mais colocadas no que à história dos Óscares diz respeito. Meryl Streep já vai em 21 nomeações mas há outros maiores vencedores e perdedores dos prémios da Academia.
- Filmes que ganharam mais Óscares
"Ben-Hur" (1959), "Titanic" (1997) e "O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei" (2003), que ganharam 11 estatuetas.
O primeiro perdeu apenas numa categoria, o segundo perdeu em três categorias e o terceiro ganhou tudo para que estava nomeado.
- Filmes com mais nomeações aos Óscares
"Eva" (1950) e "Titanic" (1997), e "La La Land" (2016) com 14 nomeações cada. O primeiro e o terceiro ganharam seis estatuetas e o segundo 11 troféus.
- Filmes com mais nomeações que não ganharam um único Óscar
"A Grande Decisão" (1977) e "A Cor Púrpura" (1985) tiveram 11 nomeações cada e voltaram para casa de mãos a abanar.
- Filmes que ganharam os cinco Óscares principais (Melhor Filme, Realizador, Ator, Atriz e Argumento)
"Uma Noite Aconteceu" (1934), "Voando Sobre um Ninho de Cucos" (1975) e "O Silêncio dos Inocentes" (1990).
- Filme com mais Óscares que não recebeu o troféu de Melhor Filme
"Cabaret – Adeus Berlim" (1972), que conquistou oito Óscares e perdeu o principal para "O Padrinho".
- Filme com mais nomeações que não foi nomeado para Melhor Filme
"Os Cavalos também se Abatem", com nove nomeações.
- Filme que recebeu o Óscar de Melhor Filme sem ter tido quaisquer outras nomeações
"Grande Hotel" (1932)
- Filme mais longo a vencer um Óscar
"O.J.: Made in America” (2016), que venceu o Óscar de Melhor Documentário, com sete horas e 47 minutos, é simultaneamente o mais longo filme nomeado e vencedor de uma estatueta dourada.
- Intérprete que ganhou mais Óscares
Katharine Hepburn, que ganhou quatro estatuetas de Melhor Atriz: "Glória de um Dia" (1933), "Adivinha Quem Vem Jantar" (1967), "O Leão no Inverno" (1968) e "A Casa do Lago" (1981).
- Quem ganhou mais Óscares numa noite
Walt Disney, com quatro estatuetas em 1954 para Melhor Documentário de Longa-Metragem, Melhor Documentário de Média-Metragem, Melhor Documentário de Curta-Metragem e Melhor Curta-Metragem de Animação.
Há dois anos, apesar de ter subido ao palco e discursado quatro vezes, Bong Joon-ho ganhou pessoalmente o Óscar de Melhor Filme, Realização e Argumento Original (este em parceria com Han Jin-won), mas o de Melhor Filme Internacional foi atribuído à Coreia do Sul.
- Intérprete mais nomeado aos Óscares
Meryl Streep, com 21 nomeações.
Ganhou três vezes: Melhor Atriz Secundária por "Kramer contra Kramer" (1979) e Melhor Atriz por "A Escolha de Sofia" (1982) e "A Dama de Ferro" (2011).
- Intérprete mais nomeado aos Óscares sem nunca ganhar
Peter O’Toole, com oito nomeações de Melhor Ator. Ganhou um Óscar Honorário em 2003.
- Intérprete mais jovem a ganhar um Óscar em competição
Tatum O'Neal ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária em 1974 por "Lua de Papel", quando tinha apenas 10 anos. Em termos de Óscares honorários, não competitivos, houve vencedores ainda mais jovens, numa época em que se atribuíam ocasionalmente Óscares juvenis. A mais jovem oscarizada nesse capítulo foi Shirley Temple, aos seis anos, em 1935.
- Intérprete com mais idade a ganhar um Óscar
Anthony Hopkins ganhou o Óscar de Melhor Ator em 2021 por "O Pai", aos 83 anos.
- Quem ganhou mais Óscares em toda a vida
Walt Disney, que ganhou 22 estatuetas em diversas áreas competitivas, e recebeu ainda quatro prémios honorários. Também é ele a pessoa mais nomeada de sempre: 59 vezes.
- Artista vivo com mais nomeações ao Óscar
O compositor John Williams, com 52 nomeações.
Ganhou cinco vezes, por "Um Violino no Telhado" (1971), "Tubarão" (1975), "Guerra das Estrelas" (1977), "E.T. O Extraterrestre" (1982) e "A Lista de Schindler" (1993).
- Uma dinastia nos Óscares
Alfred, Lionel, Emil, Thomas, David, Randy e Thomas Newman já têm 92 nomeações na área da música, mais do que qualquer outra família. Randy e Thomas estão ambos nomeados ao Óscar este ano, o primeiro pela Banda Sonora de "Marriage Story" e pela Canção Original de "Toy Story 4" e o segundo pela Banda Sonora "1917". Thomas tem também um recorde menos apetecível: com a banda sonora de "Passageiros" (2016), recebeu a 14ª nomeação da sua carreira sem vitória, o que é um recorde entre compositores vivos.
- O mais nomeado ao Óscar sem nunca ter ganho qualquer estatueta
Greg P. Russell, técnico de som, com 16 nomeações sem qualquer prémio. Chegou a ter a 17ª, pelo filme "13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi" (2016), mas foi removida porque Russell violou as regras de campanha da Academia: tinha telefonado aos colegas do seu ramo durante as nomeações para lhes chamar a atenção para o trabalho. O anterior campeão, Kevin O’Connell, também técnico de som, conseguiu o Óscar à 21ª nomeação, com "O Herói de Hacksaw Ridge" (2016).
- A mulher mais oscarizada e mais nomeada ao Óscar
A estilista Edith Head, que recebeu oito Óscares de Melhor Guarda-Roupa em 35 nomeações.
- Cineasta mais premiado como Melhor Realizador
John Ford, com quatro Óscares de Melhor Realizador: "O Denunciante" (1935), "As Vinhas da Ira" (1940), "O Vale era Verde" (1941) e "O Homem Tranquilo" (1952).
Curiosamente, para alguém considerado o melhor autor de westerns de sempre, nenhum deles era um western.
- Intérprete a ganhar o Óscar na categoria principal com menos tempo no ecrã
Anthony Hopkins, que ganhou o Óscar de Melhor Ator em "O Silêncio dos Inocentes", em que aparece um total de 17 minutos.
- Intérprete a ganhar um Óscar com menos tempo no ecrã
Beatrice Straight, que ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária por "Escândalo na TV", em que surge apenas durante... 5 minutos e 40 segundos.
- Discurso de vitória mais longo
Greer Garson, ao ganhar o Óscar de Melhor Atriz por "A Família Miniver" em 1943, falou durante quase seis minutos, numa época em que as transmissões televisivas ainda não existiam e em que a cerimónia era só parcelarmente emitida pela rádio.
- Discurso de vitória mais curto
Patty Duke, ao ganhar com apenas 16 anos o Óscar de Melhor Atriz Secundária por “O Milagre de Anne Sullivan” em 1963, disse apenas “Obrigado” e saiu do palco.
As maiores reviravoltas
Do vencedor errado do Óscar de Melhor Filme em 2017 à surpresa de Adrien Brody ao ser anunciado como o Melhor Ator, não há falta de momentos chocantes em 90 anos de história da entrega dos prémios da Academia.
Quem acompanha os Óscares com alguma atenção certamente recordar-se-á a surpresa que foi quando "Colisão" recebeu o Óscar de Melhor Filme em 2006, derrotando o grande favorito, "O Segredo de Brockeback Mountain". Ou quando Adrien Brody apareceu do nada e se tornou o mais jovem a receber o Óscar de Melhor ator.
Mas será que sabia que "Braveheart" não era o grande favorito? Ou que não era suposto Marlon Brando ganhar o Óscar por "Há Lodo no Cais"?
Recorde as maiores surpresas e reviravoltas dos 90 anos da entrega da estatuetas douradas, suficientes para horas de discussões:
Portugal nos Óscares: 38 falhanços e algumas alegrias
Portugal tem um recorde nos Óscares: o do país que mais vezes propôs títulos à categoria de Melhor Filme Internacional (Estrangeiro antes da alteração em 2020) sem ter conseguido uma nomeação. Mesmo assim, sabe que já houve dois portugueses premiados pela Academia e um ator a ganhar a estatueta dourada por uma personagem do nosso país?
Portugal e os Óscares têm andado sempre de costas viradas. Se dúvidas houvesse, há um facto que diz tudo: o nosso país é aquele que mais vezes submeteu títulos à nomeação de Melhor Filme Internacional (Estrangeiro antes da alteração da Academia em 2020). Nada menos que 38 vezes, a começar em 1980, sem ter conquistado a nomeação uma única vez que fosse.
O mais recente a não chegar ao fim foi "A Metamorfose dos Pássaros", de Catarina Vasconcelos: ficou fora da "shortlist" com 15 finalistas anunciada a 21 de dezembro de 2021.
Para lá das longas-metragens, são mesmo as curtas de animação que vão sendo mais bem sucedidas na aproximação aos Óscares, com Regina Pessoa a conseguir chegar duas vezes à "shortlist" de 10 filmes nomeáveis: em 2006, com "História Trágica com Final Feliz", e em 2020 com "Tio Tomás - A Contabilidade dos Dias", que ganhou a seguir o prémio Annie. Em ambos os casos tinha algum favoritismo à partida pelos prémios internacionais já recebidos e em ambos os casos ficou à porta da nomeação, não deixando de ser o mais perto que algum filme português alguma vez esteve de entrar na corrida.
Mas a verdade é que a Academia já distinguiu talentos lusos. Carlos de Mattos é o principal, tendo sido distinguido duas vezes pela Academia de Artes e Ciências de Cinematográficas de Hollywood com certificados especiais, naquelas cerimónias dedicadas aos galardões técnicos de que são apenas apresentados excertos durante a cerimónia de entrega de prémios que vemos anualmente.
Carlos de Mattos nasceu em Luanda em 1952 e foi viver para os EUA aos 18 anos, desenvolvendo aí actividade importante na área tecnológica. Recebeu o primeiro "Technical Achievement Award" em 1983, em parceria com Con Tresfons, Adriaan De Rooy e Ed Phillips pela criação e concretização da Tulip Crane, uma grua utilizada em filmes como "E.T. O Extraterrestre".
Em 1986 recebeu um "Scientific and Engineering Award", em parceria com Ernest F. Nettman e Ed Phillips, pela criação de uma câmara de controle remoto utilizada em filmes como "África Minha" e "Cotton Club".
Já o célebre dramaturgo Christopher Hampton, apesar de ser visto por todos como britânico, nasceu na verdade na ilha do Faial, no arquipélago dos Açores, mudando-se muito novo para o Reino Unido onde faria carreira, sem qualquer ligação ao país de origem. Enquanto argumentista ele ganhou o Óscar de Melhor Argumento Adaptado por "Ligações Perigosas" em 1989, foi nomeado ao mesmo troféu por "Expiação" em 2008, e voltou a ganhar a estatueta na mesma categoria em 2021 por "O Pai", a meias com o também realizador Florian Zeller.
Mas Carlos de Mattos e Christopher Hampton fizeram praticamente toda a sua vida e carreira fora de Portugal. Haverá algum português sequer nomeado com carreira relevante no nosso país? Há apenas um: o diretor de fotografia Eduardo Serra.
Ele nunca ganhou mas já foi nomeado duas vezes para o Óscar, pelo seu trabalho em "As Asas do Amor" (1997) e "Rapariga com Brinco de Pérola" (2003). Em Portugal, assinou a fotografia de filmes tão importantes como "Sem Sombra de Pecado" e "A Mulher do Próximo", de José Fonseca e Costa, "O Processo do Rei", de João Mário Grilo, "Amor e Dedinhos de Pé", de Luis Filipe Rocha, e "O Delfim", de Fernando Lopes.
Mas mesmo em filmes norte-americanos, Portugal esteve presente. Em 2015, "Feral" chegou efetivamente à nomeação na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação: embora fosse um filme norte-americano, ele foi realizado por Daniel Sousa, um português de origem cabo-verdiana, que viveu em Portugal até aos 16 anos, rumando depois aos EUA onde hoje vive como animador independente e professor.
Já há quatro anos, dois canadianos luso-descendentes chegaram finalmente à tão ambicionada nomeação, ambos pelo filme "A Forma da Água": Luis Sequeira, filho de pais portugueses da zona de Aveiro e que mantém dupla nacionalidade, esteve nomeado para Melhor Guarda-Roupa, e Nelson Ferreira, cujos pais são da zona da Mealhada, partilhou com Nathan Robitaille a nomeação para Melhor Montagem de Som (outrora designada de Melhores Efeitos Sonoros). Perderam respetivamente para "Linha Fantasma" e "Dunkirk". Em 2022, Luis Sequeira voltou a ser nomeado para Melhor Guarda-Roupa por outro filme de Guillermo del Toro, "Nightmare Alley - Beco das Almas Perdidas".
É importante não esquecer que os talentos portugueses também foram estando presentes em filmes cujas equipas ganharam Óscares. Um desses casos é o de Ricardo Ferreira, profissional na área dos efeitos visuais com vários blockbusters no currículo, que integrou as equipas que em 2015 e 2016 ganharam o Óscar de Melhores Efeitos Visuais, pelos filmes “Interstellar” e “Ex-Machina”, embora sem fazer parte do quarteto de profissionais que, em cada um dos anos, foi seleccionado para receber a estatueta.
Caso emblemático é também o do filme "Lobos do Mar", de Victor Fleming, pelo qual o incontornável Spencer Tracy ganhou o primeiro Óscar de Melhor Ator ao interpretar o pescador português Manuel (na imagem), em que até tentava, de forma algo sofrível, cantar algumas canções em português.
E não esquecer que o documentário "Portugal", integrado na popular série de documentários "People & Places" que a Disney produziu na década de 50, foi nomeado em 1958 ao Óscar de Melhor Curta-Metragem Documental de Imagem Real.
A língua portuguesa, claro, esteve presente em algumas nomeações de filmes brasileiros, nomeadamente nas designações em várias categorias dos recentes "Cidade de Deus" e "Central do Brasil". Porém, o único filme falado na língua de Camões a receber um Óscar foi o belíssimo "Orfeu Negro", em 1960, realizado em Terras de Vera Cruz pelo francês Marcel Camus. É uma co-produção entre a França, o Brasil e a Itália, que adapta a peça «Orfeu da Conceição», de Vinicius de Moraes, com música de António Carlos Jobim e Luis Bonfá. O filme foi um enorme êxito internacional, ganhando também a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Mais recentemente, claro, em 1994, o filme espanhol "Belle Époque", rodado em grande parte no nosso país e co-produzido por António da Cunha Telles, conquistou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, com Portugal a merecer uma palavra de agradecimento no discurso do realizador do filme, Fernando Trueba.
Finalmente, sem ser falado em português mas adaptado de uma obra fundamental da literatura nacional da autoria de Eça de Queiroz, distinguiu-se "O Crime do Padre Amaro", nomeado ao Óscar de Melhor Filme de Língua Não Inglesa em 2003 pelo México.
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