A caminho dos
Óscares
Foi na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação que Portugal conseguiu finalmente, em 2023, o objetivo que há tanto ambicionava e que sempre lhe fugiu por entre os dedos: uma nomeação ao Óscar. Finalmente, a caminho da 95ª cerimónia de entrega dos prémios da Academia, "Ice Merchants", realizado por João Gonzalez e produzido por Bruno Caetano, quebrou o enguiço e conseguiu a primeira nomeação de um filme português à estatueta dourada, numa produção da Cola Animation.
Foram qualificados 81 filmes nessa categoria, da qual saiu uma "shortlist" de 15, que integrou outra curta portuguesa, "O Homem do Lixo", de Laura Gonçalves, que não chegou à nomeação final. Também “O Lobo Solitário”, de Filipe Melo, conseguiu o feito de se colocar na "shortlist" de 15 títulos na categoria de Curta-Metragem de Imagem Real, onde se tinham qualificado cerca de 200 filmes, sem ter conseguido chegar aos cinco eleitos.
Este ano, novo feito: Portugal volta a estar na "shortlist" na categoria de Curta-Metragem de Animação com "Percebes", realizado por Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, após vários prémios conquistados em importantes festivais internacionais, como o Cristal de Annecy.
É, assim, a quinta vez que a animação leva Portugal à “shortlist”: com as duas primeiras a ficarem por conta de Regina Pessoa, e em "shortlists" que então tinham apenas 10 filmes nomeáveis em vez dos atuais 15: em 2006, com "História Trágica com Final Feliz", e em 2020 com "Tio Tomás - A Contabilidade dos Dias", que ganhou a seguir o prémio Annie. Em ambos os casos tinha algum favoritismo à partida pelos prémios internacionais já recebidos... e em ambos os casos ficou à porta da nomeação.
Na categoria de Curta-Metragem de Imagem Real, além do já referido “O Lobo Solitário” em 2023, Portugal integrou a “shortlist” em 2024 com “Um Caroço de Abacate”, de Ary Zara, sem chegar à nomeação final.
Mas fora o feito de "Ice Merchants", a verdade é que Portugal e os Óscares têm andado sempre de costas viradas. Se dúvidas houvesse, há um facto que diz tudo: o nosso país é aquele que mais vezes submeteu títulos à nomeação de Melhor Filme Internacional (Estrangeiro antes da alteração da Academia em 2020). Nada menos que 40 vezes, a começar em 1980, sem ter conquistado a nomeação uma única vez que fosse.
O mais recente a não chegar ao fim foi "Grand Tour", de Miguel Gomes: apesar de ter valido ao cineasta o troféu de Melhor Realização no Festival de Cannes, ficou fora da "shortlist" com 15 finalistas anunciada a 17 de dezembro de 2024.
Mas a verdade é que a Academia já distinguiu talentos lusos. Carlos de Mattos é o principal, tendo sido distinguido duas vezes pela Academia de Artes e Ciências de Cinematográficas de Hollywood com certificados especiais, naquelas cerimónias dedicadas aos galardões técnicos de que são apenas apresentados excertos durante a cerimónia de entrega de prémios que vemos anualmente.
Carlos de Mattos nasceu em Luanda em 1952 e foi viver para os EUA aos 18 anos, desenvolvendo aí actividade importante na área tecnológica. Recebeu o primeiro "Technical Achievement Award" em 1983, em parceria com Con Tresfons, Adriaan De Rooy e Ed Phillips pela criação e concretização da Tulip Crane, uma grua utilizada em filmes como "E.T. O Extraterrestre".
Em 1986 recebeu um "Scientific and Engineering Award", em parceria com Ernest F. Nettman e Ed Phillips, pela criação de uma câmara de controle remoto utilizada em filmes como "África Minha" e "Cotton Club".
Já o célebre dramaturgo Christopher Hampton, apesar de ser visto por todos como britânico, nasceu na verdade na ilha do Faial, no arquipélago dos Açores, mudando-se muito novo para o Reino Unido onde faria carreira, sem qualquer ligação ao país de origem. Enquanto argumentista ele ganhou o Óscar de Melhor Argumento Adaptado por "Ligações Perigosas" em 1989, foi nomeado ao mesmo troféu por "Expiação" em 2008, e voltou a ganhar a estatueta na mesma categoria em 2021 por "O Pai", a meias com o também realizador Florian Zeller.
Mas Carlos de Mattos e Christopher Hampton fizeram praticamente toda a sua vida e carreira fora de Portugal. Haverá algum português sequer nomeado com carreira relevante no nosso país? Há apenas um: o diretor de fotografia Eduardo Serra.
Ele nunca ganhou mas já foi nomeado duas vezes para o Óscar, pelo seu trabalho em "As Asas do Amor" (1997) e "Rapariga com Brinco de Pérola" (2003). Em Portugal, assinou a fotografia de filmes tão importantes como "Sem Sombra de Pecado" e "A Mulher do Próximo", de José Fonseca e Costa, "O Processo do Rei", de João Mário Grilo, "Amor e Dedinhos de Pé", de Luis Filipe Rocha, e "O Delfim", de Fernando Lopes.
Mas mesmo em filmes norte-americanos, Portugal esteve presente. Em 2015, "Feral" chegou efetivamente à nomeação na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação: embora fosse um filme norte-americano, ele foi realizado por Daniel Sousa, um português de origem cabo-verdiana, que viveu em Portugal até aos 16 anos, rumando depois aos EUA onde hoje vive como animador independente e professor. Já este ano, "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" é um dos favoritos à vitória na categoria de Longa-Metragem de Animação, e tem como realizadores Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson, sendo o primeiro português, nascido no nosso país em 1977, embora tenha partido aos quatro anos com a família para os EUA, onde tem feito grande carreira no mundo da animação. Estranhamente, Joaquim dos Santos, apesar de ter sido o primeiro realizador associado ao projecto, não consta da lista de nomeados, onde figuram apenas Powers, Thompson e os produtores Phil Lord, Chris Miller e Amy Pascal.
Já em 2018, dois canadianos luso-descendentes chegaram finalmente à tão ambicionada nomeação, ambos pelo filme "A Forma da Água": Luis Sequeira, filho de pais portugueses da zona de Aveiro e que mantém dupla nacionalidade, esteve nomeado para Melhor Guarda-Roupa, e Nelson Ferreira, cujos pais são da zona da Mealhada, partilhou com Nathan Robitaille a nomeação para Melhor Montagem de Som (outrora designada de Melhores Efeitos Sonoros). Perderam respetivamente para "Linha Fantasma" e "Dunkirk". Em 2022, Luis Sequeira voltou a ser nomeado para Melhor Guarda-Roupa por outro filme de Guillermo del Toro, "Nightmare Alley - Beco das Almas Perdidas".
É importante não esquecer que os talentos portugueses também foram estando presentes em filmes cujas equipas ganharam Óscares. Um desses casos é o de Ricardo Ferreira, profissional na área dos efeitos visuais com vários blockbusters no currículo, que integrou as equipas que em 2015 e 2016 ganharam o Óscar de Melhores Efeitos Visuais, pelos filmes “Interstellar” e “Ex-Machina”, embora sem fazer parte do quarteto de profissionais que, em cada um dos anos, foi seleccionado para receber a estatueta.
Portugal também vai começando a estar presente como cenário de fitas nomeadas ao Óscar: em 2024, recebeu 11 nomeações "Pobres Criaturas", com uma generosa parcela passada numa versão delirante de Lisboa (embora recriada num estudio em Budapeste) e com Carminho a fazer uma curta aparição, cantando e tocando um fado.
Caso emblemático é também o do filme "Lobos do Mar", de Victor Fleming, pelo qual o incontornável Spencer Tracy ganhou o primeiro Óscar de Melhor Ator ao interpretar o pescador português Manuel (na imagem), em que até tentava, de forma algo sofrível, cantar algumas canções em português.
E não esquecer que o documentário "Portugal", integrado na popular série de documentários "People & Places" que a Disney produziu na década de 50, foi nomeado em 1958 ao Óscar de Melhor Curta-Metragem Documental de Imagem Real.
A língua portuguesa, claro, esteve presente em algumas nomeações de filmes brasileiros, nomeadamente nas designações em várias categorias dos recentes "Cidade de Deus" e "Central do Brasil". Porém, o único filme falado na língua de Camões a receber um Óscar foi o belíssimo "Orfeu Negro", em 1960, realizado em Terras de Vera Cruz pelo francês Marcel Camus. É uma co-produção entre a França, o Brasil e a Itália, que adapta a peça "Orfeu da Conceição", de Vinicius de Moraes, com música de António Carlos Jobim e Luis Bonfá. O filme foi um enorme êxito internacional, ganhando também a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Mais recentemente, claro, em 1994, o filme espanhol "Belle Époque", rodado em grande parte no nosso país e co-produzido por António da Cunha Telles, conquistou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (hoje Melhor Filme Internacional), com Portugal a merecer uma palavra de agradecimento no discurso do realizador do filme, Fernando Trueba. Nessa categoria, o nomeado e vencedor é o país proponente, e não o respetivo realizador ou produtor, sendo por isso Espanha a vencedora dessa estatueta.
Finalmente, sem ser falado em português mas adaptado de uma obra fundamental da literatura nacional da autoria de Eça de Queiroz, distinguiu-se "O Crime do Padre Amaro", nomeado ao Óscar de Melhor Filme de Língua Não Inglesa em 2003 pelo México.
Artigo atualizado às 21h00 de 26 de janeiro de 2024.
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