A
Animanostra está «completamente em risco», disse à Lusa
Humberto Santana, director da produtora fundada em 1991 e responsável por várias séries de animação para televisão bem como curtas-metragens.

«É uma situação terrível», lamentou, sublinhando que «a continuidade da Animanostra está posta em causa neste momento, precisamente por causa da falta de funcionamento do FICA» e que «há mais produtoras» na mesma situação.

José Miguel Ribeiro, um dos fundadores da
Sardinha em Lata, confirmou o «risco». O projecto que tem agora em mãos, subsidiado pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), «vai acabar em Outubro» e a produtora ficará a partir dessa data «numa situação muito desconfortável», que inclui «o risco de ter que fechar».

O realizador acrescentou que, ainda que não feche, a Sardinha em Lata «pelo menos terá que se reestruturar» num contexto «sem o FICA».

«Estamos há quatro anos à espera de financiar projectos e não conseguimos. Estamos pendurados, com contratos assinados com a RTP e com produtores estrangeiros», disse Humberto Santana.

A Animanostra tem contratos assinados há dois anos com a RTP para fazer a adaptação de «A Menina do Mar», de Sophia de Mello Breyner Andresen, e a série juvenil «Figurões», de André Carrilho e João Paulo Cotrim, mas a televisão pública deu «a garantia de uma participação financeira desde que o FICA metesse o dinheiro que faltava», o que nunca aconteceu.

«Na falta de trabalho, digo à RTP «tenho aqui um projecto novo para participarem» e a RTP diz-me «desculpa, nós já temos dois contratos assinados contigo, não te podemos dar mais dinheiro». Portanto, é um desastre», resumiu.

«A resistência das empresas não é eterna. Em quatro anos conseguimos resistir, mas o nosso «deadline» é até ao final do ano: ou o FICA, de facto, funciona ou as empresas vão todas fechar», alertou.

O FICA foi suspendendo e reiniciando os processos de candidatura. «Assumimos compromissos porque o «feedback» do FICA era sempre positivo» e mantiveram-se as «promessas», explicou Santana, lembrando que «a animação portuguesa é um sector bastante sensível».

«Uma coisa era dizerem que não tinham aprovado o nosso projecto (…), outra coisa é estar prevista uma data para saírem resultados e não saírem», corroborou José Miguel Ribeiro.

O «problema do FICA», acredita Santana, não é financeiro, mas «político». Os dois anteriores ministros da Cultura, Pinto Ribeiro e Gabriela Canavilhas, tinham visões diferentes e a última, perante «a falta de liquidez do fundo, (…) não actuou, porque iria comprometer a actuação do ministro anterior».

Prometeu «resolver a situação até ao final da legislatura, mas dois ou três dias antes das eleições» deixou «para o próximo ocupante da pasta essa responsabilidade», recordou Humberto Santana.

«O que mais me choca nisto tudo é a falta de uma estratégia e de consequências da tomada de decisões», indignou-se José Miguel Ribeiro, ironizando: «Já quase nos rimos quando falamos do FICA, é mais o não fica.»

FICA usou menos de um terço das verbas para apoiar novos projectos

O
Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual (FICA) usou, em quatro anos de actividade, menos de um terço da verba disponível para financiar novos projectos, informou à Lusa o seu coordenador geral.

Com um capital total de 83 milhões de euros para investir ao longo de sete anos, o FICA utilizou apenas 23,9 milhões de euros, disse à agência Lusa Miguel Barreiras, coordenador geral do fundo.

O FICA é um mecanismo de financiamento criado em 2007 pelo Ministério da Cultura, com o apoio de entidades públicas e privadas, para aumentar a produção independente de cinema e televisão em Portugal.

Miguel Barreiras admitiu que «várias produtoras», não só de cinema de animação, «possam estar em dificuldade, até porque o FICA representaria uma fatia importante do financiamento anual total disponível».

Contrariando as produtoras Animanostra e Sardinha em Lata, que dizem que as expectativas foram sendo mantidas por sucessivas «promessas» do FICA, Miguel Barreiras argumentou que o fundo «tem sido muito claro relativamente à capacidade de decidir sobre novos projectos».

O responsável referiu que o FICA só poderá tomar decisões sobre novos investimentos a partir do momento em que novas realizações de capital por parte dos participantes do fundo se concretizem, dado que actualmente o capital já realizado no FICA se encontra «totalmente comprometido».

O FICA tem estado grande parte do tempo paralisado. O anterior governo socialista decidiu-se pela sua extinção, mas só depois de cumprido o financiamento a projectos de cinema que se apresentaram a concurso.

O actual Executivo PSD-CDS/PP compromete-se, no Programa do Governo, a reavaliar «a execução e gestão» do FICA, sem adiantar mais pormenores sobre o seu futuro.

Segundo Miguel Barreiras, «o FICA é um fundo de investimento fechado», enquadrado legalmente pela lei 42/2004 e pelo decreto-lei 227/2006, tendo como participantes o Estado, os operadores de televisão por subscrição e os canais de televisão.

«A questão sobre a manutenção do fundo não se coloca. O fundo, dada a sua natureza de fundo fechado, extingue-se naturalmente no prazo final da sua existência», referiu.

SAPO com Lusa