No último fim-de-semana, em que "The Incredibles 2: Os Super-Heróis" arrecadou cerca de 230 milhões de dólares e se tornou um dos maiores sucessos do ano com apenas três dias de exibição, ninguém se espantou pelo facto de um êxito tão fulgurante vir de um filme de animação, que marca hoje presença habitual nas estreias semanais de cinema e no Top 10 do box-office anual.

Porém, há 30 anos, quando "Quem Tramou Roger Rabbit?" chegou às salas de cinema a 21 de junho de 1988, a situação não podia ser mais diferente: Hollywood, no seu todo, produzia uma única longa-metragem de animação de dois em dois anos (e era nos períodos melhores…) e a expectativa em relação a elas era relativamente reduzida uma vez que toda a gente parecia estar convencida de que os desenhos animados eram uma coisa exclusivamente para crianças, pelo que nenhum adolescente ou adulto se atreveria a ir sozinho ver uma fita de animação ao cinema.

Com “Quem Tramou Roger Rabbit?” tudo mudou e o filme tornou-se o ponta de lança não só do renascimento criativo da Disney como principalmente do florescimento de toda a indústria da animação, considerada moribunda nas décadas anteriores (ou pelo menos desde a morte de Walt Disney em 1966…) e que hoje em dia vive um período de explosão criativa e produtiva como nunca antes se imaginara, com países como a Índia ou o Brasil a começarem a dar cartas na arena internacional.

Que papel teve “Quem Tramou Roger Rabbit?” em tudo isto? O de começar a desmistificar a ideia de que o cinema animado era uma coisa para crianças e de provar que um filme com animação podia ser um verdadeiro "blockbuster" nos finais do século XX, como “Branca de Neve e os Sete Anões” o fora em 1937, quando se tornou o maior êxito da história do cinema até àquela data.

Anos 80, animação a viver do passado...

Ao longo dos anos 80, a Disney ainda foi tentando provar que se mantinha à tona de água com filmes como “Papuça e Dentuça” ou “Taran e o Caldeirão Mágico”, mas a sua produção era uma sombra do que outrora fora e vivia sobretudo das glórias passadas, que repunha em sala religiosamente de sete em sete anos. Steven Spielberg, um apaixonado pela animação, apostou no meio em 1986 e produziu “Fievel – Um Conto Americano”, que conseguiu ser o 16º filme mais visto nos EUA naquele ano, coisa que há muito não se via.

Mas a revolução a todos os níveis viria com “Quem Tramou Roger Rabbit?”, que Spielberg co-produziu com a Disney e se tornou de imediato o filme mais visto do ano em todo o mundo em 1988.

A aposta era arriscadíssima: um filme de orçamento muito elevado, que cruzava desenho animado e imagem real a uma escala nunca vista (e inacreditável numa era anterior à animação informática, em que tudo era feito de forma óptica e com efeitos artesanais), que ambicionava o estatuto dos grandes "blockbusters" da época, e colocava em cena algumas personagens que eram tudo menos inocentes, caso da bomba sexual Jessica Rabbit.

O resultado foi um verdadeiro triunfo, que tanto recupera a qualidade estética dos melhores filmes da Disney como o humor vertiginoso dos cartoons da Warner Bros, numa homenagem ao passado da animação que, afinal, acabou por abrir portas para o seu futuro.

O filme era realizado por Robert Zemeckis, recém-saído do super-sucesso que foi “Regresso ao Futuro”, com a animação a cargo do canadiano Richard Williams, um dos grandes mestres da animação. Era uma adaptação muito livre de um livro de Gary K. Wolf e recuava à Hollywood de final dos anos 40, num intriga em formato de policial "noir", onde as estrelas do desenho animado da época conviviam de forma natural com os humanos.

Roger Rabbit e a voluptuosa Jessica Rabbit eram personagens novas, em interacção com o protagonista Bob Hoskins como detective alcoólico, e em seu redor pululavam a maioria das figuras dos cartoons da época, da Disney à Warner, da MGM a Walter Lantz, num cruzamento até então considerado impossível e que só o prestígio de Spielberg tornou possível (e mesmo assim não sem dores de cabeça: consta que Mickey e Bugs Bunny, tal como os patos Donald e Daffy, tinham de surgir no ecrã exatamente o mesmo número de segundos e proferir a mesma quantidade de sílabas…).

O humor vertiginoso e certeiro, o argumento sem falhas, o espantoso e então nunca visto trabalho de integração do desenho animado com a imagem real, no fundo a noção de que se estava a ver algo que nunca antes se vira (e que muitos fãs de animação sempre sonharam ver) tornou o filme um sucesso estrondoso.

Ainda por cima, o facto de cruzar imagem real e de ter alguns elementos mais sexuais levou a que os adultos deixassem os receios à porta e apostassem no filme sem receios nem vergonhas, e o boca a boca fez o resto, com a fita a faturar uma verdadeira fortuna em todo o mundo e a ser nomeada para seis Óscares, tendo ganho três em competição e mais um honorário.

O legado de um filme irrepetível

Nos anos seguintes, mesmo nunca tendo havido sequela (nunca se encontrou um argumento à altura e a divisão de direitos entre Spielberg e a Disney não terá facilitado as coisas…), os efeitos do sucesso do filme não se deixaram de fazer sentir. A Disney renasceu criativamente, com a estreia em rápida sucessão de “A Pequena Sereia”, “A Bela e o Monstro” (a primeira fita de animação nomeada ao Óscar de Melhor Filme, em novo passo para a legitimação do desenho animado entre os adultos), “Aladdin” e “O Rei Leão”, os dois últimos já a serem os maiores sucessos do ano em todo mundo nos respetivos anos.

A animação televisiva também conquistou novos públicos de todas as idades, empurrada pelo sucesso de “Os Simpsons”, estreado em 1989, e a produção de animação para todos os públicos e em todos os géneros e plataformas não tem parado de crescer em todo o mundo, com novos estúdios a surgirem e os países mais insuspeitos a entrarem a sério na corrida, da China à Índia, do Brasil à Coreia.

Toda uma explosão criativa que não faz esquecer a qualidade do grande filme que lhe ajudou a dar o pontapé de saída e que ainda hoje é uma das maiores homenagens ao desenho animado que o cinema alguma vez produziu.

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