"Remember forever / Remember together", entoa a voz robótica de uma das canções mais orelhudas dos Air. E o refrão de "Remember", tema de "Moon Safari", mostrou-se uma síntese certeira do concerto que marcou o regresso da banda de Jean-Benoît Dunckel e Nicolas Godin a Portugal.
Cabeça de cartaz da primeira noite da 20.ª edição do Cooljazz, o duo francês revisitou na íntegra o seu álbum de estreia, que conquistou uma imensa minoria desde 1998, ganhou lugar entre os mais elogiados da sua década e foi decisivo para abrir portas ao french touch, movimento que abarcou vários nomes franceses alicerçados na música eletrónica no seu tempo - dos Daft Punk a Etienne De Crécy, de Dimitri from Paris a Alex Gopher, de a Kid Loco aos Cassius, entre muitos outros.
Disco que já nasceu nostálgico q.b., inspirado em parte pela inocência e infância dos seus autores, é um concentrado geralmente sereno de eletrónica onírica e retrofuturista que conseguiu distinguir-se de muita oferta lounge e downtempo da altura - a que motivava fenómenos de crítica quase semanais na categoria "novas tendências" - através de três singles brilhantes ("Sexy Boy", "Kelly Watch the Stars" e "All I Need"). Peças fundamentais nesta história, os videoclips icónicos (todos realizados por Mike Mills, que viria a dirigir os filmes "Chupa no Dedo" ou "Mulheres do Século XX"), imediatamente abraçados pela MTV, fixaram uma iconografia que ajudou a destacar a dupla dos seus pares.
Foi para celebrar os 25 anos de "Moon Safari" que os Air voltaram, aliás, aos palcos na mais recente digressão europeia, iniciada em março em Versalhes, apesar de não editarem um álbum desde o sexto, o já distante "Le voyage dans la lune" (2012). O concerto que apresentaram no Cooljazz foi, por isso, uma oportunidade de ouvir, pela primeira vez em Portugal, todos os temas desse emblemático disco de estreia.
O alinhamento do concerto respeitou a ordem original, e nesse aspeto não houve grandes surpresas. Mas também não seriam expectáveis numa noite cujo maior aliciante era o reencontro e o reconhecimento. Por isso, não faltou uma chuva de aplausos e gritos, especialmente regular nas primeiras canções. "Eles ainda não falaram ou cantaram e já está tudo louco", dizia um espectador ao início. E nem foi preciso que a dupla, acompanhada de um baterista, falasse muito ao longo da noite, ficando-se pelos breves agradecimentos (incluindo um esforçado "obrigado").
Mas houve, apesar de tudo, ligeiras surpresas nesta revisitação. Se as canções se mantiveram tendencialmente fiéis às versões originais, "All I Need" e "You Make It Easy", cantadas por Beth Hirsh no disco, deram lugar a abordagens de palco quase sem voz (no primeiro caso) e com Nicolas Godin a interpretar recorrendo ao vocoder (no segundo). Já "La femme d'argent", o crescendo paciente que abre o álbum, contou com um remate mais explosivo, no primeiro grande momento de euforia geral.
Metida consigo mesma, enquanto se entregava aos sintetizadores, teclados ou guitarra, a dupla voltou a revelar-se visualmente apurada ao ter atrás um painel retangular cujas imagens se adaptaram aos ambientes de cada canção. Não faltou o pequeno gorila do videoclip e da capa do single de "Sexy Boy", a alusão a videojogos vintage em "Kelly Watch the Stars" ou cenários alaranjados e mais abstratos em "Talisman". Nem referências à ficção científica, indissociáveis da música dos Air, do interior de uma nave espacial a céus estrelados e viagens intergaláticas.
O público, que aglomerava jovens de hoje e de há 25 anos, tanto reagiu de olhos fechados, em pequenos transes individuais, como entre abraços e alguns longos beijos apaixonados. "Estás feliz? Eu estou", perguntava uma espectadora a outro, com um sorriso estampado e comovido, a lembrar o casal protagonista do inesquecível videoclip de "All I Need". Mas também se foi tornando evidente que, depois de a banda recordar a santíssima trindade de singles, o interesse de alguns se debruçou mais sobre os cigarros, a cerveja ou o vinho e conversas em vez de breves comentários (a denunciar que a reta final de "Moon Safari" não é tão memorável como o arranque).
Felizmente, além das dez canções do disco, esta hora e meia contou com outros capítulos da obra dos Air. Em dois encores, o grupo moveu-se em terrenos ritmicamente mais agitados e explorou texturas igualmente serenas com outros sabores. A viagem ficou-se, no entanto, apenas pelo segundo e terceiro álbuns, "10 000 Hz Legend" (2001) e "Talkie Walkie" (2004), respetivamente, e por uma passagem pela banda sonora do filme "As Virgens Suicidas" (2000), de Sofia Coppola, deixando de fora os três discos mais recentes (e não por acaso, os menos obrigatórios deste percurso).
Houve rebuçados de pop eletrónica como "Venus", "Cherry Blossom Girl" ou "Run", a muito celebrada "Highschool Lover" (variação instrumental da mais popular "Playground Love") e uma tremenda "Don't Be Light", disparo psicadélico muito bem-vindo num espetáculo que, por vezes, ameaçou escorregar do agradável para o dormente - ainda que essa elegância, que pode ser confundida com frieza e formalismo maquinais, seja parte integrante do ADN dos Air. "We are electronic performers", entoou Nicolas Godin já no final, com voz obrigatoriamente distorcida. Mas nos seus melhores momentos, esta performance eletrónica não deixa de ter sangue a correr e um coração a bater. E 25 anos depois, ficou claro que muitos outros ainda batem por ele.
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