A edição, que é publicada na próxima sexta-feira, é um duplo CD que inclui todas as sessões de gravação feitas na mesma época, nomeadamente gravações inéditas de temas como “Gaivota” e “Leonor”, e ensaios com o compositor Alain Oulman e os guitarristas.
“Ela inventou uma maneira de cantar que é intemporal, que é mais moderna que a de agora, e também mais antiga que a antiga”, disse o investigador e musicólogo, segundo o qual, “Amália é um daqueles artistas ao nível do Miguel Ângelo".
Amália "é uma criadora e é de tal maneira grande e tão boa, musical e poeticamente, que se descobrem sempre novas coisas”, realçou.
Frederico Santiago afirmou que, por ocasião dos 50 anos da edição do LP “Fado português”, aproveitou “para editar todos os temas que foram gravados nas mesmas sessões, e que foram editados em outras edições dispersas”.
Quanto à edição a sair na próxima sexta-feira, com dois CD, um contém 22 temas: os 12 do alinhamento original – “Fado português”, “Cantiga de amigo”, “Si, si, si”, “Erros meus”, “Nome de rua”, “Na esquina de ver o mar”, “Gaivota”, “Verde, verde”, “Paresito faraón”, “Sombra”, “Fado corrido” e “Ai Mouraria” -, e dez outros, também gravados na mesma altura, mas não incluídos no LP editado em junho de 1965, entre os quais se contam “Espelho quebrado”, “Cansaço”, “As águias”, “Água e mel”, “Fandangueiro” e “Lianor”.
O segundo CD é constituído por gravações inéditas, incluindo os ensaios, e uma versão nunca antes editada de “Fado português” (José Régio/Alain Oulman), gravada em 1967, “mas que fazia sentido incluir”.
Entre os ensaios agora trazidos à luz do dia, Frederico Santiago destacou o de “Havemos de ir a Viana”, cuja versão definitiva Amália gravaria anos mais tarde, e “que foi uma sorte estar completo, e no qual se vê como Amália era experimentalista”.
“Ela experimentava muito e tinha um bom gosto tão alto e uma autocrítica muito grande”, afirmou Santiago, que acrescentou: “Aquela coisa de ela dizer que ‘foi Deus, foi Deus’ é uma grande desculpa dela, para não assumir o quão grande era”.
“As suas interpretações nunca deixavam de ser espontâneas, mas ela não se encostava a essa espontaneidade, não achava que por tudo lhe sair bem naturalmente, não ia trabalhar para que lhe saísse melhor”, realçou.
“Ela só por intuição faria uma obra-prima, mas não se contentava com o muito bom, queria mesmo o excecional”, afirmou.
O músico e investigador salientou “o bom gosto profundo” da fadista, “que a faz nunca estar datada”. “Ela nunca canta à anos [19]40, ou à anos [19]50. Ela inventou uma maneira de cantar que é intemporal”.
Referindo-se ao álbum "Fado português", Frederico Santiago afirmou que "corresponde ao período áureo, do ponto de vista de impulso criativo, de Alain Oulman - cite-se temas como ‘A gaivota’ e 'Fado português’, um tempo em que os dois [Oulman e Amália] trabalhavam muito juntos”.
Pouco tempo depois desta gravação, Alain Oulman foi preso pela polícia política da ditadura liderada por António de Oliveira Salazar.
A fadista voltou a gravar temas de Oulman, nomeadamente no álbum "Com que voz", publicado em 1970, e naquele que foi o seu último álbum, ainda em vida, "Obsessão" (1990), nomeadamente os fados "Prece" e "Entrega", ambos com poemas de Pedro Homem de Mello.
O CD "Fado português" inclui poemas, entre outros, de Mendinho, David Mourão-Ferreira, Carlos Conde, Luís de Macedo, Luís de Camões, Jorge Brum do Canto, Carlos Barbosa de Carvalho e Pedro Homem de Mello.
Esta edição inclui um texto de Fernando Dacosta, "Alturas de insenso", no qual afirma que "Camões deu-nos a língua, Pessoa o pensamento, Amália a voz", e reproduz ainda excertos da correspondência trocada entre a fadista e Oulman, e várias fotos, entre elas uma da fadista apreciando a capa do LP original, bem como textos de contextualização de Frederico Santiago.
Num deles, Santiago afirma que, "se alguma vez existiu 'lied' em português, o seu expoente máximo foi a obra de Alain para a voz de Amália".
@Lusa
Comentários