"What would you call the opposite of a comedian?/ Whatever it is, that's what I wanted to be" ("O que é que se chamaria ao oposto de um comediante/ O que quer que seja, é o que eu queria ser"). A confidência é de Aidan Moffat, vocalista dos Arab Strap, e ficou gravada em "Tears on Tour", canção ausente do alinhamento do concerto da dupla escocesa em Lisboa. Mas declarações como a citada, entre outras dessa letra, dão conta da singularidade do projeto que o cantor criou com o multi-instrumentista Malcolm Middleton a meio da década de 90.

Num tema em que contraria um clássico de uma das suas influências, "Boys Don't Cry", dos Cure, Moffat recorda o choro pela morte dos avós, às quais junta as lágrimas por várias mulheres que lhe partiram o coração e ainda assume a sua alta vulnerabilidade a comédias românticas e filmes infantis. Pelo menos até chegar ao estado exasperado e dolente que acaba por dominar a maioria das suas canções e ajudou a fazer dos Arab Strap um caso de culto do rock em tempos dito alternativo.

Regressado em 2011 com o álbum "As Days Get Dark" (precisamente aquele do qual faz parte "Tears on Tour"), depois de um hiato mantido desde 2006, o duo reforçou a carga eletrónica (sem perder traços pontuais do pós-rock ou da folk) tanto nesse como no mais recente, "I'm totally fine with it ? don't give a fuck anymore ?", um dos discos do ano passado a guardar. Pelo título, percebe-se que os Arab Strap continuam exasperados, mas que também ainda não se levam assim tanto a sério, com a alusão às redes sociais sugerida nos símbolos dos dois polegares para cima a iniciar um olhar irónico sobre a dependência digital, um dos temas-chave do álbum - os outros, da alienação suburbana ao falhanço emocional e sexual, já vêm bem lá de trás e voltam a motivar vinhetas de um quotidiano idiossincrático.

Parentes próximos e memórias distantes

Embora não andem longe das inquietações de Nick Cave e dos seus Bad Seeds (mesmo que Moffat seja demasiado mundano para meter conversa com Deus ou o Diabo) ou da melancolia de uns Tindersticks (apesar de Middleton ter maior curiosidade rítmica), os Arab Strap nunca foram tão habituais em palcos portugueses como esses parentes próximos - ou como os National, que lhes são posteriores e parecem ter espreitado o seu livro de estilo. Talvez porque a sua música se estranha ainda mais antes de se entranhar, da voz de barítono com sotaque escocês indisfarçável ao registo mais falado do que cantado, passando por álbuns talvez demasiado homogéneos e herméticos, pelo menos às primeiras audições (mais os antigos do que os recentes, no entanto).

Arab Strap
Arab Strap créditos: Gonçalo Sá

A própria dupla reconheceu, aliás, os parcos concertos lisboetas. Sem atuações em Portugal desde a do festival Primavera Sound, no Porto, em 2017, o projeto apresentou-se no sábado pela primeira vez na capital em... 20 anos? 25? 15? Nem os Arab Strap nem o público do Lisboa ao Vivo conseguiram precisar (nem pesquisas online ou mesmo o famigerado ChatGPT, acrescentamos nós), embora Moffat tenha deixado uma garantia: "Prometemos não ficar tanto tempo sem voltar". Esperemos que cumpra a promessa, e acreditamos que os espectadores de uma sala bem composta partilharam da opinião, a julgar pelos aplausos recorrentes, headbanging ocasional e toda a boa disposição quando um tema teve de ser interrompido devido a questões técnicas - o vocalista mostrou-se igualmente bem-humorado ao tentar resolver o problema dos seus auriculares.

Entre novas canções orelhudas e antigas muralhas sonoras

Apresentando-se em palco num formato banda, ao lado de três músicos - um baixista, um baterista e um teclista que por vezes assumiu mais uma guitarra -, os Arab Strap mostraram-se mais vibrantes e urgentes do que há três décadas. Culpa do novo álbum, tocado quase na íntegra e a dominar o alinhamento, que segue os passos do antecessor e injeta pulsão dançável e uma sensibilidade pop (de costela pós-punk) em tempos quase proibida num projeto de origens slowcore. E Moffat nem precisa de abandonar o seu característico tom sussurrado e lacónico (tão reconhecível como um trago de whisky de velha colheita) para que canções como "Bliss", "Sociometer Blues", "Hide Your Fires", "Summer Season" ou "Strawberry Moon" tenham esse apelo.

"Haven't You Heard", particularmente trauteável, é o mais próximo que o duo já esteve de um êxito radiofónico... houvesse muitas rádios dispostas a apostar nele à partida. Já "Allatonceness", que abre o disco, também inaugurou o concerto de forma pujante, com guitarras ao alto e sem perder tempo a lançar farpas à era digital ("They've got your attention, antagonized fanboys/ While Nazis and rapists sell merch", disparou o vocalista).

Arab Strap
Arab Strap Malcolm Middleton e Aidan Moffat créditos: Kat Gollock

Ainda assim, o pico de intensidade do concerto (daqueles a guardar já na memória de palcos de 2025) não foi uma das novidades de "I'm totally fine with it ? don't give a fuck anymore ?". Foi antes um regresso ao passado mais remoto: "Girls of Summer", clássico do EP homónimo, editado em 1997. Ao longo de mais de oito minutos, propôs uma viagem em modo despojado, ao início, antes de se atirar a um extraordinário frenesim instrumental, a meio, impecavelmente defendido por todos os músicos (Moffat incluído, a cargo dos sintetizadores). Muralha sonora a contrastar com o lado mais sintético da fase recente, foi exemplo da carga agreste dos Arab Strap no seu melhor, com aproximações nos finais quase tão explosivos de "New Birds" (repescado do segundo álbum, "Philophobia", de 1998) e "Turn Off the Light" (balada que vai da contenção à distorção, grande momento do novo disco).

Do baú saiu também "Packs of Three", uma das canções mais liricamente inusitadas, relato de noites de álcool, hotéis e sexo temperadas com ansiedade, ressentimento e humor autodepreciativo. "It was the biggest cock you'd ever seen/ But you've no idea where that cock has been", entoou Moffat, a despertar risos entre o público. "She was the best shag I'd ever had", continuou, ressalvando num aparte para os espectadores: "Bom, mas isto passou-se em 1998" (o tema foi outro recuperado de "Philophobia", tal como "Soaps", já no encore). Impressões espirituosas como esta cortam parte da carga taciturna da música da dupla enquanto ajudam a explicar porque é que esta obra tem sido tão pessoal e desafiante. Poder ouvi-la num concerto de sala, ao longo de hora e meia, justificou plenamente os mais de dez, 15 ou 20 anos de espera.

Antes da atuação do duo de Falkirk, valeu a pena chegar mais cedo para escutar Vasco Completo. O músico português, uma das apostas da editora Monster Jinx, cruzou guitarra elétrica e texturas eletrónicas numa amálgama intrigante de referências ambient, downtempo ou hip-hop, entre sugestões das atmosferas IDM da escola de Four Tet e uma releitura de "À Vontade", de ProfJam (o único tema cantado de um alinhamento instrumental). Fica um nome a acompanhar noutros palcos e discos...