O concerto, na Casa da Música, “é um misto de celebração e de projeção de futuro para o dia seguinte, porque o disco [‘Courage and Doom’] sai no dia seguinte”, disse o vocalista da banda, Miguel Guedes, em entrevista à Lusa.

Por ser uma celebração do passado com um olho no futuro “será mesmo mágico e especial”. “Para nós e para quem lá estiver. Vamos tocar canções que não tocamos há muito tempo, passar por todos os nossos discos, e ter muitas surpresas, também na forma como o espetáculo é apresentado”, afirmou Miguel Guedes.

Os Blind Zero são uma banda fundada na década de 1990, que se popularizou em pouco tempo, muito graças ao álbum de estreia, “Trigger”.

“Começámos ao contrário de quase todas as bandas. Começámos em cima, com um ‘hype’ brutal, e começámos nós a limitar ao longo do tempo, a fazer aquilo que queremos e a não seguir as correntes. As pressões exteriores queriam que fossemos por aí, tentar repetir as fórmulas”, referiu por seu lado o guitarrista Vasco Espinheira.

Na altura em que surgiram, os Blind Zero foram alvo de críticas por cantarem em inglês e houve quem os considerasse uma cópia dos norte-americanos Pearl Jam.

“Partimos o panorama musical em dois: os que amam e os que odeiam. Isso aproximou-nos cada vez mais e criou uma vontade de ‘que se dane, vamos fazer o que nos dá na cabeça’”, recordou Vasco Espinheira. Na altura, já sabiam o que queriam fazer e construir, musicalmente e como banda.

Quando se pede para destacaram o que foram os melhores momentos dos últimos trinta anos, Vasco fala naquilo “que aconteceu no principio e passou a refletir-se ao longo da carreira”.

“Conseguimos fazer coisas um bocadinho fora da caixa. Quando fazemos a música não fazemos com o objetivo de chegar a a, b, c ou d, ou conseguirmos isto ou aquilo. Fazemos aquilo de que gostamos e que achamos que funciona para este grupo de quatro pessoas”, referiu.

O músico lembrou as “ações loucas” que levaram a cabo, como “parar o trânsito em Santa Catarina [rua de comércio com grande movimento na Baixa do Porto] na altura do Natal com um concerto absolutamente ilegal” ou, nos 13 anos de carreira, “tocar em cima de um trio elétrico, numa viagem Porto-Lisboa com 13 concertos”.

“São coisas feitas mais para nós do que para fora. Fazer o que queremos fazer, à nossa maneira, e um pouco fora da caixa, porque é isso que nos dá prazer, ser diferentes”, referiu, reforçando a “autenticidade” em tudo o que a banda faz.

O momento “mais doloroso” da carreira grupo é apontado por Miguel Guedes como “o impasse criativo” que viveram antes da edição do álbum “Luna Park”, em 2010.

“O bloqueio criativo onde estávamos acaba por originar o álbum mais popular do nosso percurso, à exceção do primeiro. Esses dois anos em que lutámos contra o facto de parecer termos perdido a química terão sido os mais dolorosos”, partilhou.

Vasco Espinheira recordou que nessa altura criaram um disco, que começaram a gravar e acabaram por deitar fora. “Não porque não gostássemos dele, mas fomos quase forçados a deitar o que estava para trás, porque já não fazia sentido com o que estávamos a fazer para a frente. Esse bloqueio criativo até passou a ser quase como um empurrão criativo”, disse.

“Luna Park” foi o primeiro álbum editado pela Red Lemon Music, editora que a banda criou e que permite aos Blind Zero manterem-se independentes.

Ao longo do percurso houve sempre preocupação de não ficarem agarrados ao passado, ao sucesso inicial.

“Nunca tentámos fazer o 'Trigger' 2, 3 e 4. Tentamos sempre olhar para o que está a acontecer agora, pegar na música e nos instrumentos de agora, acompanhar o nosso ideal de música e tentar adaptá-lo”, referiu Vasco, defendendo que “as bandas são melhores à medida que crescem”.

Miguel Guedes critica a pressão no mercado musical “para descobrir coisas novas e novas bandas”, uma pressão “muito comercial, muito panfletária, muito mercantil, muito de escaparate”.

Sempre a olhar para o futuro, editam na sexta-feira um novo álbum, “Courage and Doom”, que é “verdadeiramente diferente de tudo aquilo” que já fizeram.

“Convoca muita expectativa, porque além de ser algo novo é algo que nunca fizemos”, sublinhou Miguel Guedes.

O álbum tem “uma perspetiva mais reflexiva” sobre a visão que os elementos da banda têm do mundo. “Sobre o que estamos a viver e sentir, e, sobretudo, sobre o que vivemos nos últimos anos, que foram momentos verdadeiramente assíncronos”.

“O disco começou a ser feito na pandemia, passou por uma guerra que nos entrou pelas portas – lembro-me de estar a escrever uma letra na noite em que aconteceram os primeiros rebentamentos na Ucrânia. Tudo o que aconteceu a seguir, e durante, o reencontro pós-pandémico, a forma como nos relacionamos, tudo o que vemos a acontecer na Europa e no mundo, acaba por tornar este disco uma viagem de muitos anos acelerados”, revelou Miguel Guedes.

Desde 2020, “o tempo suspendeu e depois acelerou” e o novo álbum dos Blind Zero “é muito produto disso”.

Além disso, salientou Vasco Espinheira, “Courage and Doom” é um disco “radicalmente diferente” dos outros da banda no que diz respeito ao processo de composição.

“Gostamos sempre que os discos sejam diferentes uns dos outros, e aqui fomos forçados a ter que o fazer de maneira diferente [por causa do confinamento], o que criou novas linguagens, novas opções, nova maneira de fazer as coisas”, disse.

Se dantes cada um criava em casa a sua parte no instrumento que toca e a levava depois para a sala de ensaios, num período pandémico, de isolamento forçado, e com a tecnologia que não tinham no início da carreira - com computadores próprios e sintetizadores -, as canções chegaram à sala de ensaios “com uma sonoridade muito próxima” do produto final.

“Depois foi pegar naquilo que gostávamos e alterar as coisas todas em conjunto. Por isso foi um processo de escrita muito diferente dos outros discos”, referiu Vasco.

Alguns temas já foram ‘testados’ ao vivo no festival de Vilar de Mouros, em agosto do ano passado, e no Cinetatro António Lamoso, em Santa Maria da Feira, em fevereiro deste ano.

“As músicas que apresentámos já não são as que vamos mostrar hoje [na Casa da Música]. Sentimos que as canções fizeram esta viagem no tempo connosco e encarregaram-se de mudar”, referiu Miguel Guedes.

O ponto de partida da criação do novo álbum “foi algo distante”. Segundo Miguel Guedes, “os tempos e a vida do mundo encarregaram-se de dar muitas voltas e as canções foram sofrendo mutações”.