Estes dois monstros sagrados da música popular brasileira, que lideraram o movimento tropicalista em 1968 e exilaram-se vários anos em Londres durante a ditadura militar, confessaram, em entrevista à AFP, que fazer um espetáculo aos 70 anos é bem diferente do que aos 30.
De 25 de junho a 2 de agosto, vão levar a sua música para dez países da Europa e Israel, viagem que passa por Portugal a 31 de julho, no Edpcooljazz, no Parque dos Poetas/ Estádio Municipal, em Oeiras.
AFP: Ainda sentem ansiedade antes de subir ao palco?
GILBERTO GIL: Eu fico mais nervoso hoje do que antes, posso dizer com certeza.
CAETANO VELOSO: É engraçado, porque para mim é totalmente o contrário. Não me sinto nervoso.
GILBERTO GIL: Minhas mãos ficam frias e às vezes, em alguns casos, tenho um pouco de taquicardia. Mas é mais fácil com ele ao lado. De todos os músicos eu me sinto mais tranquilo no palco com Caetano.
AFP: Vocês são chamados de irmãos, de gémeos. Em que são mais parecidos e em que são mais diferentes?
GILBERTO GIL: Somos muito diferentes. Os gostos são parecidos, temos uma influência musical marcada por influências parecidas (...) Ele é Leão eu sou Câncer. A bossa nova nos aproximou.
CAETANO VELOSO: (risos). Eu não faço ioga, não acredito na astrologia. Eu acho que somos mais diferentes do que parecidos. Mas somos muito unidos, pela vida e pela música. A gente se encontrou em 1963 e a primeira vez que vi, ele cantava na televisão na Bahia e um amigo nosso nos apresentou.
"Ser jovem é uma vantagem imediata"
AFP: Vocês são da geração sexo-drogas-rock'n roll. Essa geração deixou saudades?
CAETANO VELOSO: Tenho saudade da juventude e de ser jovem. É uma vantagem imediata ser jovem. É uma alegria do corpo jovem...
GILBERTO GIL: Que o velho não tem mais (risos).
CAETANO VELOSO: (risos) Mas a gente é uma pessoa, cada um é uma pessoa. E a pessoa atravessa a infância, a adolescência, a juventude, maturidade, velhice. E sinto uma grande curiosidade sobre tudo.
GILBERTO GIL: A idade avançada tem-me dado a possibilidade de não avançar mais em relação a vontades e expectativas e uma série de coisas assim, coisas que são marcadas pelo adiante, pelo horizonte. Eu fico já mais tranquilo aqui.
CAETANO VELOSO: Ao contrário de você [falando de Gil], tenho ansiedade em relação ao futuro, eu quero ainda fazer a minha vida. Não sou como você.
GILBERTO GIL: Entendi, entendi. Eu não, eu sou conformidade conforme a idade.
AFP: O que vocês não fizeram até agora que gostariam de fazer?
CAETANO VELOSO: Gil realmente realizou coisas musicais maravilhosas, eu não. Eu quero fazer coisas, alguma coisa que eu acho que seja bacana mesmo. Tenho vontade de fazer filmes, mas para fazer filmes é necessário mais juventude do que para fazer canções.
GILBERTO GIL: Exatamente! (risos).
CAETANO VELOSO: Graças a Deus existem essas coisas inúteis como são os produtos da criação artística.
GILBERTO GIL: Adoro pintura, literatura, cinema, mas não poderia fazer nada disso [se não fosse músico]. Poesia talvez eu fizesse. Ou filosofia. Poderia me dedicar a pensar, no sentido filosófico.
AFP: Gil, você foi ministro da cultura do ex-presidente Lula durante cinco anos. É mais fácil ser músico ou ministro?
GILBERTO GIL: Música é fácil, fácil mesmo. É só querer e pronto. Fazer. São as outras que são mais difíceis.
Sexo, conversar, cantar... e dormir
AFP: Quais são as três coisas que vocês mais gostam na vida? Quando se sentem realmente felizes?
CAETANO VELOSO: Olha, eu acho que o sexo, conversar e cantar.
AFP: Nessa ordem?
CAETANO VELOSO: Bem provavelmente.
GILBERTO GIL: Eu gosto dessas três coisas, mas eu diria que deitar para dormir é para mim o melhor de tudo.
CAETANO VELOSO: Tá vendo, para mim isso é o inferno! (risos) Eu durmo tarde para caramba, sobretudo porque desde a infância vivo lutando contra esse momento que eu me deito e apago a luz, não suporto(...) Faço um esforço, fico me enganando, fico lendo, vejo televisão, comédias americanas antigas, só gosto disso. Desligo, volto a ler, deito no escuro e não consigo (...). Não falo com ninguém, não saio do quarto. Eu moro sozinho, quer dizer, durmo sozinho. Não moro sozinho porque meu filho mora comigo, meu filho do meio. Mas eu durmo sozinho há anos.
GILBERTO GIL: Eu não. Quando me levanto, já estou pensando na hora de voltar a dormir.
AFP: Caetano, você continua fazendo terapia?
CAETANO VELOSO: Faço. Voltei.
GILBERTO GIL: Nunca fiz, nunca achei que deveria fazer.
AFP: Não tem nada para consertar?
GILBERTO GIL: Não! Sou muito conformado com o que há de torto em mim.
CAETANO VELOSO: Eu sou muito ocidental. É mais uma necessidade de conhecimento e de me sentir, de me tolerar, não consertar. De me tornar capaz de tolerar o que sou, o que eu tenho. Estava parecendo que estava chegando no intolerável. E também porque sempre tive uma grande curiosidade pelo pensamento de [Sigmund] Freud, porque eu tive na infância uma intuição disso. Era pré-adolescente, tinha uns 10 anos e estava angustiado e não tinha com quem falar. Existia em Santo Amaro [a sua cidade natal, na Bahia] um médico que cuidava da minha garganta, que eu gostava muito, eu confiava nele. E eu pensava que deveria existir um médico também para quando a gente está com medo, com angústia. Quando soube que existia...
GILBERTO GIL: Ficou curiosíssimo!
CAETANO VELOSO: É, eu imaginei isso.
AFP: Qual seria seu conselho para um jovem hoje?
CAETANO VELOSO: Eu já estou na idade de repetir o conselho de Nelson Rodrigues: envelheçam! (risos).
@AFP
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