Videoclip de "Poetic Justice" (com Drake):
Ao contrário do que poderíamos pensar, este disco soa-nos mais aos Outkast ou a Kanye West do que aos N.W.A. ou a“Cronic” (álbum de Dr. Dre editado em 1992), mas há espaço para algum gangsta rap. Kendrick surge, como nos trabalhos anteriores, como um excelente letrista e um MC bastante coeso - o rapper tem-se mostrado maduro nos seus versos apesar de só ter 25 anos. Kendrick interpreta várias personagens, alterando o seu tom de voz para se adaptar a cada uma. Reparamos logo na sua versatilidade, tanto para flows rápidos como lentos, assim como para a sua capacidade de se adaptar a vários estilos de beats.
O rapper quis contar um pouco do que é crescer em Compton e deu voz a um bom rapaz, coisa que no hip-hop nem sempre foi bem aceite. Não há receio em mostrar fragilidade como em “Bitch, Don't Kill My Vibe”, em que canta: "I'm a sinner that's probably going to sin again/ Lord, forgive me/ Lord, forgive me/ Things I don't understand”. Em “good kid, m.A.A.d. city” encontramos alguém que cresce numa cidade conhecida pela sua violência, mas com quem qualquer pessoa em Lisboa, no Porto ou em Bruxelas consegue identificar-se.
O álbum abre com uma oração: "Thank you, Lord Jesus, for saving us with your precious blood", mas rapidamente ouvimos a voz de um adolescente a contar os seus desejos sexuais e o quão próximo está de um encontro. "Sherane a.ka. Master Spinter's Daughter" não termina sem ouvirmos um sample de uma chamada da mãe e do pai de Kendrick a pedirem que ele regresse rapidamente a casa. Na verdade, esses samples vão-se repetindo durante o disco, servindo de fio condutor entre as várias cenas (faixas). Mais do que entreter, destacam-se como elementos importantes do que vai sendo narrado pelo rapper. São pormenores como este que realçam o trabalho e a preparação que Kendrick teve na construção dos temas.
Videoclip de "Swimming Pools (Drank)":
Enquanto vamos conhecendo detalhes de como é viver em Compton, vamos lidando também com os dramas e os dilemas que surgem todos os dias. Um bom exemplo são as rimas de "The Art of Peer Pressure": "I never was a gang banger/ I mean, I never was stranger to the funk neither/ I really doubt it/ Rush a nigga quick and then we'd laugh about it/ That's ironic cause I've never been violent/ Until I'm with the homies".
Um dos temas que se destaca no disco é “Swimming Pools (Drank)”, o segundo single do álbum. Aqui o jovem cede as tentações que a cidade oferece, do abuso de álcool ao desejo de vingança sobre alguns rivais que apenas conduz à morte. Mas a absolvição vem logo de seguida, nos temas “Real” e no hino à sua cidade, “Compton”. “Real” termina com um sample do pai do rapper: "Realness is responsibility. Realness is taking care of your motherfucking family. Realness is god, nigga". “Compton” encerra o disco e Lamar canta com o seu protetor, Dr. Dre. Sem receio assume-se como o “rei Kendrick Lamar”, mostrando o amor pela cidade que o elevou a estrela do rap.
Mas há um preço a pagar por se ter um álbum conceptual, embora só reparemos nele se ouvirmos a edição especial de “good kid, m.A.A.d. city”, onde encontramos algumas das melhores faixas - “The Recipe”, com Dr. Dre, “Black boy fly” ou ainda “Now ou Never”, com a participação de Mary J. Blige - que tornariam ainda mais forte uma edição normal já de si ótima. Mesmo assim, seja em que versão for, “good kid, m.A.A.d. city” é, sem grandes hesitações, o melhor álbum rap dos últimos tempos, não só pela forma como relata vários episódios, mas porque Kendrick Lamar conseguiu realmente contar uma história: a sua. Uma história em que nos identificamos com a personagem, a sua família e a sua cidade num disco que sabe, como poucos, chegar do individual ao universal.
@Edson Vital
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