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Se pensarmos nos mais efervescentes nomes de 2012 na cena alternativa portuguesa, é enorme a probabilidade de a maioria fazer parte da coletânea que o Bodyspace idealizou para a comemoração do seu décimo aniversário. As dez músicas fizeram-se em duetos e são quase todos pertinentes, não fosse o cunho do radialista Henrique Amaro no processo. DJ Ride, Memória de Peixe, Capicua, Emmy Curl ou Black Bombain são alguns dos cartões de visita mais entusiasmantes da lista de participações, estatuto que em muito se deve ao burburinho que os trabalhos que lançaram este ano têm despertado. Até no forte pendor electrónico esta coletânea da webzine patenteia fielmente muito do que foram as últimas estações. Já era de esperar uma enorme diversidade, por não se tratar de um álbum, mas o maior desafio estava em garantir que não houvesse atropelos durante as fusões, e, principalmente, que as músicas, criadas de raiz, mostrassem simbioses com resultados inéditos. Sem um rumo comum, nem ponta de homogeneidade, avaliar a coesão do disco seria então analisar se, em cada música, o trabalho foi mesmo feito a pares, com os dois nomes a terem a mesma quota parte de importância. Mas obviamente que seria impossível dividir as colaborações de forma matemática, o que seria mau de pedir, e provavelmente nem sequer foi tentado. A primeira das dez, “Little Secret”, de Emmy Curl e Stereoboy, é, precisamente, a materialização perfeita da ideia, com os dois projetos a saírem favorecidos na fotografia: a voz mimosa da jovem transmontana emancipa-se com mais ritmo e encaixa na perfeição no xilofone de Luís Salgado. Emmy Curl despe a pele de rapariga frágil, enquanto que os instrumentais de Stereoboy mostram conseguir muito mais do que canções melancólicas. É daquelas músicas de encanto imediato, à imagem – e notam-se algumas semelhanças – de Best Youth. Pelo mesmo processo se juntaram Old Jerusalem (Francisco Silva) e The Astroboy (Luís Fernandes, dos Peixe:Avião): o primeiro entrou com a letra e adaptou a voz para um tom um pouco mais nostálgico do que o habitual, e juntos compuseram a parte instrumental. A assentar muito bem, o adorno suave do acordeão de Liliana Quesado. Fecha o lote das mais sossegadas desta coletânea uma desconcertante comunhão entre o piano de Tiago Gomes e a guitarra de Tó Trips, em “À Conquista do Pão” – que enfeitiça, para além da destreza técnica, pela alternância ente pacatez e a pressa da conquista. Já a colaboração de Osso Vaidoso com Ghuna X é muito mais rígida, e o resultado final de “Prematura” soa a uma colagem de samplers a uma música já construída. O minimalismo de Osso Vaidoso – crueza das palavras a prevalecer sobre o instrumental – é aqui deturpado, com os sons electrónicos a criarem, por várias vezes, algum ruído sobre a voz de Ana Deus. Mesmo que haja química entre a distorção da guitarra e os botões de Ghuna X, ou que o estilo “trincar-de-lábios” ganhe outra robustez, a complexidade sonora tira força à palavras, e a piada do Osso Vaidoso é tanto maior quanto mais despido ele estiver. “Hoje”, com voz de Capicua e música de DJ Ride, é uma das melhores da colectânea, mas a escolha do par pecou por falta de atrevimento. O beat a cargo de DJ Ride está, claro, em óptimas mãos, e Ana Fernandes (Capicua) soube construir mais uma letra combativa, só que a música pouco traz de novo em relação aos trabalhos anteriores da rapper. Esperava-se algo mais inusitado ou, pelo menos, mais protagonismo do scratch e humor de DJ Ride. Do mesmo podemos acusar Black Bombaim, em “Marraquexe”: arriscaram pouco. São já uma certeza irrefutável na música portuguesa e acabam o ano a confirmar, mesmo já sem lhes ser exigido, todo seu calibre. Muniram a sua música de um saxofone, com Rodrigo Amado, que aparece a espaços, e apresentam mais uma malha. Mas tudo teria sido muito mais difícil se tivessem de adaptar o seu registo perante outra banda, cumprindo a tendência da coletânea. Sensible Soccers e Blac Koyote trazem “Em tempos amei Pimpinha”, um dos títulos mais sonantes do alinhamento, que redunda, contudo, em treze longos minutos que pouco têm de contagiante. A dinâmica que se consegue reconhecer em algumas músicas dos dois projetos é quase completamente mitigada nesta mistura exagerada de camadas, num género que, por si, já perde muito quando não vem acompanhado de vídeo. Da mesma forma, “Esgotos de Mumbai” (outro título curioso), de RA e Jiboia, sofre tantas somas que, para além de denunciar o caos, não consegue muito mais. Tem pormenores convincentes, mas o som é, na maior parte do tempo, mais sujo que os esgotos. O cenário não melhora muito com “Pulse Modulated Blackness”, de Robert Foster e Photonz. Intensa, mirabolante e divertida: “Kalimba!!!”. Os pontos de exclamação não enganam: a música que Memória de Peixe e Octa Push fizeram arriscava-se a ser uma salganhada, mas foi tratada com pinças e a “confusão” aparece bem organizada. Dá o sal que muitas vezes faz falta à pop veraneante. Será esta a melhor de todas? Este trabalho, em jeito de bolo de aniversário, aproxima-se em grande medida daquilo que se tornou o Bodyspace ao longo dos últimos dez anos. Um espaço de diversidade, inconformismo e ousadia. A mesma ousadia que levou os artistas envolvidos neste disco a pôr em causa a sua música e a transformá-la, sem garantias. Na base – e só assim tudo poderia fazer sentido – estão a qualidade e a independência. “Podendo, é ouvir”. Entretanto, mesmo talvez não pensando nisso, o site e os músicos caminham de braço dado até à ribalta.<
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