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No livro autobiográfico de Patti Smith, traduzido em português com o título “Apenas Miúdos” (2011), uma das coisas que mais impressionava era o tom cândido com que falava do seu papel como artista. Essa certeza quase ingénua de um lugar no mundo feito de descoberta está de volta no álbum “Banga”, de parto lento (mas não difícil) e resultado saboroso. “Banga” é um diário de eventos e acontecimentos dos últimos anos na vida de Patti Smith, variado na inspiração, coerente no som (mesmo indo do rock à balada à spoken word), com uma simplicidade desarmante nos arranjos e na construção musical, para onde são convidados alguns dos suspeitos do costume (Lenny Kaye, Tony Shanahan, Jay Dee Daugherty) mas também um leque variado de outros colaboradores (Johnny Depp, Jesse e Jackson, filhos de Smith, ou os italianos Casa Del Vento). Se a honestidade musical e o ambiente de encontro familiar da composição e gravação não bastassem, os temas que servem de base às canções mostram-nos Patti Smith em forma na sua curiosidade e transparência criativa. Temos elegias para Amy Winehouse e Maria Schneider, compostas na emoção da notícia do seu desaparecimento, homenagens a Tarkovski e Gogol, um pedido ao Monte Fuji para que proteja as vítimas do terramoto no Japão, uma longa divagação sobre um quadro de Piero Della Francesca (re)descoberto quase por acaso e a cadela de “Margarita e o Mestre” de Bulgakov, Banga, que dá nome a uma canção e ao álbum. Uma cadela que espera dois mil anos pelo dono merece um disco, diz Patti. Pelo meio há viagens marítimas, confessadamente inspiradas pelos tempos a bordo do Costa Concordia (sim, esse mesmo), na companhia de Jean-Luc Godard e do seu “Film Socialisme”. Na edição especial do álbum temos direito a fotografias da autoria da própria Sra. Smith (o casco e o convés do barco, a cadela batizada Banga, os participantes no disco, etc.) e alguma explicação sobre o nascimento das canções, além das letras e um manuscrito da faixa extra, o que nos leva de volta ao princípio deste texto. “Just Kids”, dedicada a Mapplethorpe, é a faixa extra do álbum. Aos 65 anos, Patti Smith continua feliz e inspirada a descobrir livros novos, quadros, lugares, amigos, filmes, saudades, viagens e a pôr tudo em música arrumada num álbum. E que bom para nós que gostamos dela. @Luís Soares <
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