Palco Principal - Quando as pessoas ouvem, pela primeira vez, uma música dos GNR, mesmo não sabendo, à partida, a quem pertence o tema, identificam de imediato... Acham que criaram, de certa forma, um novo som?
Rui Reininho - Pois, parece que sim. E não vejo problema nenhum nisso. Desde os tempos primordiais, há bandas das quais ouvias os três primeiros compassos... e era fantástico. Não nos quero comparar aos Led Zeppelin ou assim, mas aquele som... Acho que é uma coisa boa. Se as pessoas fossem comer camarão e soubesse a outra coisa...(risos). "Vou ali comprar um quilinho de camarão" - se soubesse a pescada, era mais chato, não era? Mas há públicos para tudo. Públicos para coisas mais inesperadas, em que uma pessoa está ali meia hora sem saber o que é... Embora isso seja mais para Blindfold Tests...
PP – São poucas as bandas em Portugal que contam com tantos anos de estrada como os GNR. Ainda assim, continuam a inovar, após 34 anos de carreira… Sentem a necessidade de continuar a crescer?
Jorge Romão – De sobreviver.
RR – Pois, também. Não nos foi permitido, nunca, parar. O que não é mau, porque creio que seria diferente se tivéssemos uma indústria por detrás que nos permitisse dizer: ‘agora vamos parar cinco anos’.
JR – Na verdade, nós não conseguimos parar. Faz-nos falta.
RR – Ficar mais de uns dois meses sem fazer espetáculos é difícil.
PP – Alguma vez sentiram a necessidade de ser uma banda da capital?
RR – Não, é mais do capital! (risos) Onde é que está o capital? (risos)
PP – Nunca se sentiram penalizados por serem e viverem no Porto?
RR – Sim, um pouco. É curioso, não temos assim uma resposta muito imediata, talvez por Lisboa ser uma cidade sofisticada, assim snobe, não é? Que acha que já viu de tudo, que está sempre à espera da última novidade. E, à custa disso, engole muitos sapos, digamos, muito lixo. Creio que há espetáculos que vêm cá, a Portugal, que são mesmo imposições industriais. Não me parece que as pessoas, por mote próprio, gostassem mesmo de os ver. Mas isso sou eu a raciocinar…
PP - A maioria das bandas fica quase ofendida quando o público pede para tocarem os clássicos, nomeadamente quando já existe material novo. Os GNR continuam a tocar com prazer os temas que já tocaram centenas de vezes, como Dunas, Pronúncia do Norte, Efectivamente, ou também já se sentem cansado de terem esses temas, digamos, quase como rótulos?
JR – Quem pede isso são os produtores dos espetáculos… (risos)
RR – A pressão é mais deles…
JR – Temos vontade de os tirar e, sempre que podemos, tiramos. “Ai, são 45 minutos? Então sai o Dunas….”.
RR – De facto, neste momento, teria mais prazer em tocar outros temas. Por outro lado, tento pensar: “vamos fingir que isto é como o Jazz, é um clássico, tem que se tocar”. (risos)
PP – “Tudo o que você queria ouvir – O melhor dos GNR” é o título da primeira compilação da banda, lançada em 1996 pela Valentim de Carvalho. 19 anos passados, pergunto: Aquilo é, realmente, o melhor dos GNR?
RR – Era, até à data, com certeza. Isso também era uma brincadeira, uma boca de editora. Era “tudo o que você queria ouvir e nunca teve coragem de pedir” – li isso num anúncio brasileiro. Depois, o resto, o melhor, deve ser já receita da casa, não é? Receita de editora. Agora, os GNR já não têm dessas coisas impostas – agora a editora somos nós: a IndieFada.
PP – A vossa componente visual é bastante reduzida – trata-se de uma escolha vossa?
RR – Não temos porque nunca concretizámos. Uma das razões da «pega» cm a editora foi, precisamente, essa. Íamos sempre fazer para a próxima: “ah, agora não dá jeito, agora isto, agora aquilo”. E, assim, nunca se fez um DVD.
PP – Mas gostavam que se fizesse?
RR – Eu gostava muito de ficar perpetuado no pequeno ecrã! (risos). E no grande ecrã! Então se fosse no cinema…
PP – Se olharmos para o paradigma atual da música portuguesa, e não só, constatamos que é muito comum, agora, os músicos terem vários projetos em paralelo – algo que aconteceu convosco só muito recentemente. Como é que veem este fenómeno, do ponto de vista criativo?
RR – Se houver motivação…Neste caso, tive um convite que me foi dirigido diretamente: “ah, gostávamos de fazer um disco contigo”. Na altura, achei muito interessante trabalhar com o [The Legendary] Tiger Man, com o Rodrigo Leão, o JP Coimbra, dos Mesa, o Slimmy… Gente muito diferente, de facto. Foi muito agradável ir a casa deles todos. Foi uma fase.
PP – No texto de apresentação do vosso novo álbum, “Caixa Negra”, referem: “pelos três senhores do costume, com especial incidência na distribuição desigual das funções e trabalho”. Qual de vocês é o mais trabalhador?
RR – Cada um à sua maneira. Eu sou bastante pela economia de meios. Mas o trabalho inicial, principal, começa por ser o do Tóli [César Machado]. Mas ele também encontra um estúdio muito bem preparado e tudo pronto para gravar, que resulta do esforço do Jorge [Romão]. O meu seria, se calhar – falta de modéstia, a dizer qual será meu! -, por exemplo, estar aqui a falar consigo, o que para mim não é trabalho, é prazer! (risos)
PP – Sentem que este novo disco vem na sequência de algo que já tivessem feito no passado ou é território inexplorado? Como é que as temáticas, as paisagens sonoras do “Caixa Negra” se relacionam com o resto da obra dos GNR?
RR – Acho que o “Caixa Negra” tem um pouquinho de várias fases. É, portanto, um Best Of, mas com originais. No meu caso, identifico coisas que já tinha escrito nos anos 70. Por exemplo, a “Caixa Negra” é um esboço dos anos 70. É também um bocadinho da primeira vez em que fui a um ensaio dos GNR, em que o Tóli aparece numa lambreta. Não, numa vespa, à chuva… Tem ali algumas histórias pescadas da gaveta.
PP – Em 1992, foram a primeira banda a encher um estádio, na altura com 40 mil pessoas. O “Rock In Rio Douro”, por exemplo, vendeu mais de 94 mil exemplares e esteve 38 semanas no Top Nacional. Ainda há algo que sentem ainda não ter concretizado?
RR – A chamada tournée mundial.
JR – Tentámos…
RR – Fomos saindo… Já fomos bem longe! P’ra nascente, até Macau; para o outro lado, até ao Brasil – parece aquela música: “Já fui ao Brasil (…) Goa e Macau…” – e aos Estados Unidos da América. Mas, pessoalmente, gostava de viajar um bocadinho mais com a música. Viajar por viajar, também. Assim já fui até mais longe.
PP – Alguma vez discutiram a ideia de arrumarem as «tralhas» e darem lugar aos mais novos? Ou ainda têm muitas histórias para nos contar?
RR – Acho que a gente não ocupa assim tanto espaço…
JR – Nós não temos lugar para arrumar as tralhas, o problema é esse. (risos)
RR – Não temos espaço, temos que estar sempre a funcionar. É um bocado como os aviões, convém estarem sempre no ar, não é?
*Em maio, "Caixa Negra" vai ser apresentado na Casa da Criatividade, em São João da Madeira (16 de maio) e noTheatro Circo, em Braga (22 de maio), num concerto que será gravado para posterior edição em CD.
Catarina Soares
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