Com cabelos compridos até a cintura, aparelho nos dentes e roupas largas, Lela deixa de lado a timidez sempre que sobe ao palco ou grava um videoclip. Transforma-se numa cantora prodígio que faz rap sobre a migração, a paixão pela música e temas adolescentes que cativam mais de 300.000 fãs nas redes sociais.
Aos seis anos, após a morte de avó, migrou de Caracas com sua família, de autocarro, assim como muitos dos três milhões de venezuelanos que chegaram à Colômbia para fugir ao colapso económico.
As suas primeiras canções, no entanto, retratam memórias de tempos menos encantadores:
"Não imagina as adversidades que passei / os obstáculos que encontrei no caminho (...) decidi migrar com o propósito de um futuro melhor / mas encontrei portas fechadas no caminho / muros erguidos", cantava há alguns anos nas estações de autocarro colombianas, ao lado do seu padrasto Jesús Sanz, de 32 anos, que considera seu pai.
Um incêndio que mudou tudo
Os irmãos Gabriel e Gabriela Brito não partilham apenas o nome e um vínculo familiar. As cicatrizes nos seus braços lembram o dia em que uma explosão quase os matou, em 2017. A sua avó faleceu no incêndio causado por uma fuga de gás.
"O herói Gabriel", na altura com 8 anos, atirou-se para cima da irmã de 6 anos para a proteger das chamas, relatou a mãe Hayleén Volcán. As crianças ficaram com queimaduras graves. Gabriel passou vários meses no hospital. "A sua vida é um milagre", afirmou.
Com a morte de avó, as crianças não tinham com quem ficar na Venezuela. Isso obrigou-as a reunirem-se com a mãe, que havia migrado para a Colômbia alguns meses antes.
Hoje, Gabriel tem 15 anos e acompanha Lela no palco. Embora seja tímido, está a aprender a usar a equipamento eletrónico e é o DJ da irmã.
"Lela" é um nome artístico inspirado no irmão que lhe salvou a vida. Quando era pequeno, tinha dificuldade para pronunciar Gabriela, então chamava-a de "Lela".
Do autocarro ao palco
Quando chegou à Colômbia, "foram meses a vender café, vender nos semáforos, vender água, vender amendoins", contou a mãe, de 35 anos.
Até que um dia, inspirada pelo pai, Sanz, que fazia rap nas paragens de autocarro de Bogotá para levar dinheiro para casa, decidiu "pegar o microfone", lembrou. Tinha oito anos quando alguém a gravou a cantar sobre o drama da migração e o vídeo tornou-se viral na internet.
A canção composta pelo pai chegou aos ouvidos do produtor Jairo Peñaranda, conhecido como Mctematico no universo do hip-hop. Ele tornou-se o empresário de Lela, profissionalizou as suas capacidades e encaminhou a sua carreira artística.
Impôs uma única condição: que Gabriela e o seu irmão mais velho voltassem à escola e recebessem acompanhamento psicológico. A falta de escolaridade afeta 29,7% das crianças venezuelanas na Colômbia, segundo a autoridade estatística.
Em 2021, lançaram a sua primeira canção. Pouco a pouco, ela aprendeu técnica vocal, modulação e desenvoltura no palco. "Sou uma pessoa que não fala", mas "depois da primeira canção é como se eu me perdesse, com a minha atitude aproveito o concerto", diz Lela MC a sorrir.
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