Na terça-feira, a Policia Municipal do Porto selou mais de 120 lojas do Stop por não terem licença de funcionamento por falta de condições de segurança. Mais do que “lojas de shopping”, os espaços eram salas de ensaio para dezenas de bandas e músicos portuenses, assim como estúdios de gravação, eram a “casa e o ganha pão” de muita gente.
Ruca Lacerda, músico e produtor, entrou no Stop com 18 anos: “É o local onde passei mais tempo acordado desde os 18 anos”, refletiu em conversa com a Lusa, para depois explicar que passou por várias salas do edifício até se fixar numa “sala incrível”, onde investiu mais de 10 mil euros em insonorização para produzir discos, locuções e “tudo o que aparecia”, e criar o Largo Recording Studio.
“Eu ia entrar em estúdio para seis dias de gravações e apanhei aquela bofetada. Além da perda de trabalho há a perda financeira, claro. O estúdio é o meu rendimento constante porque fazia tudo o que fosse serviço técnico”, descreveu.
Com 39 anos, o músico explicou que com o encerramento do Stop no início da semana não deixou de trabalhar mas que “não tem sido uma gestão fácil”, quer para manter os agendamentos das gravações, quer para ensaiar, uma vez que também é um dos elementos dos Mão Morta.
“Diz-se que quem tem amigos não morre na cadeia e eu tenho. Neste caso para darem uma mão e cederem um espaço de gravação aqui e ali, mas não é a mesma coisa. Dá para não perder algum rendimento mas não é igual”, admitiu.
Segundo Ruca Lacerda, “a malta não escolhe esta profissão para enriquecer e uma pessoa não pode desistir”.
“Fica um vazio. Saio de casa, deixo os meus filhos na escola e depois fica um vazio. Mas há que continuar e o espírito é o de desenrascar. Vamos ter que desenrascar até haver uma solução, que espero que seja em breve, porque até lá vai ser um filme”, salientou.
Desenrascar é uma das palavras comuns no discurso dos artistas que paravam no Stop.
António Serginho, músico dos Daguida, dos Retimbrar e Mão Verde, disse o mesmo: “Estamos a tentar desenrascar com amigos que têm salas noutros sítios. Tenho dois concertos para breve e os concertos vai dar para manter. Com mais ou menos ensaio, desenrascamos. Mas ainda tenho lá [no Stop] uma sala cheia de material, livros, instrumentos, partituras, 'merchandising'”, explicou.
Para o músico “é imperativo arranjar uma solução ou são mais de 200 bandas a sofrer, 40 discos que deixam de sair, isto dito assim, por alto”.
“Precisamos de um sítio para criar, ensaiar, compor e ficamos órfãos de espaço. As pessoas são criativas e a necessidade aguça o engenho, nos piores momentos surgem as melhores ideias, é aquela coisa bem portuguesa da resiliência”, considerou.
Em comum, além do “espírito de desenrascar” e de resiliência, os músicos têm os contornos do arrendamento dos espaços: “É um imbróglio impossível. Cada um tem a sua história, mas há senhorios diretos, há agências, há quem tenha conseguido ter contratos de luz, há puxadas ilegais em salas que a administração arrenda, há de tudo“, descreveu António Serginho.
Há mais de 20 anos que o Stop funcionava como espaço de ensaio de bandas, constituindo um “importante ecossistema” do panorama musical da cidade do Porto mas, segundo afirmou o presidente da Câmara Municipal, Rui Moreira, havia problemas de segurança.
“A qualquer momento podia existir ali uma situação de altíssima gravidade, podia haver um incêndio e podia lá morrer alguém. Era preciso agir sobre pena de amanhã podermos ser acusados de negligência criminosa pelo facto de não tomarmos as medidas previdenciais que eram exigidas na medida em que havia uma coisa que era óbvia, havia espaços a funcionar de forma ilegal”, disse o autarca, quarta-feira, em conferência de imprensa.
Como alternativa, a autarquia propõe que os músicos se transfiram para a escola Pires de Lima e para o Silo Auto, garantindo o autarca que será o município a pagar a sobras de adaptação e transformação dos espaços.
“É ir vendo”, responderam os músicos sobre aquelas alternativas.
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