Palco Principal - Tens dois amores, o vídeo e a música, que, por sinal, "em nada são iguais". O teu coração continua a bater mais forte pelo vídeo ou foi emprestado à música?Qual deles te dá mais prazer?
André Tentugal - Eu vivo a minha vida sempre de forma dividida. Gosto dos dois de igual forma. Quando estou a fazer vídeo, começo a ficar com vontade de fazer música; quando estou a fazer música, começo a ficar com vontade de fazer vídeo. Então, as coisas vão-se equilibrando um bocadinho. Acabo por estar sempre a fazer aquilo que realmente me apetece. Quando descanso de um, estou a curtir o outro, e vice-versa.
PP - "É fácil ir-se abaixo, cair e desistir. O medo torna-se controlo. Governos contra as pessoas, pessoas contra Governos, pessoas contra pessoas, e demasiada intolerância religiosa", pode ler-se no texto de apresentação do teu novo álbum, "Everyday Heroes". Um disco-espelho de todas as histórias que diariamente passam por nós?
AT - Eu sou uma pessoa bastante atenta àquilo que me rodeia. Seja à vida dos meus amigos, à vida da minha família, seja às notícias que acompanho diariamente. De facto, é inevitável que aquilo que nos rodeia não influencie aquilo que fazemos artisticamente. Por exemplo, relativamente à intolerância religiosa, têm havido comportamentos completamente bárbaros, completamente primitivos, numa sociedade que se pretende cada vez mais evoluída e civilizada. Essa pequena menção que eu faço é um bocado sobre isso: nós perdemos demasiado tempo com coisas que não são importantes, em vez de dedicarmos tempo àquilo que realmente importa, de construirmos o que importa, em vez de desconstruirmos. Eu sofro com o mal que me está distante da mesma forma que sofro com o mal que me está perto - fico tão triste quando alguém perde uma família por contacto do ISIS, como quando um amigo meu fica doente… Acabo por sofrer quase da mesma forma.
PP - 58 Segundos com a mensagem “I’m ready now” - é assim que começa o teu novo álbum, com o tema “Believe”. A segunda música, “Stars”, acaba com a voz suave de uma criança - “why is it so dark? In the beginning it’s always dark. And my first wish is…” - e começa, de seguida, “The Future”, recheado de energia, com vozes infantis que afirmam: “The future starts today”. Enfim, todo o teu álbum gira em torno de uma ideia revolucionária. Sentes que é necessário? Que estamos no tempo de agir e criar, já hoje, o nosso futuro?
AT - É exatamente disso que a música fala. Eu coloquei as crianças a cantar para os adultos, porque costumamos dizer que as crianças são o nosso futuro. Estamos a dar-lhes um papel. Elas cantam - para nós, adultos - “the future starts today”, na medida em que o futuro começa também hoje, connosco. Não vale a pena estar sempre a adiar - “não deixes para amanhã aquilo que podes fazer hoje”. Essa frase da criança que diz “why is it so dark? In the beginning it’s always dark” é retirada de um filme, do “The Never Ending Story”. Retrata um bocadinho essa ideia de que no início está sempre escuro, mas que a luz existe e basta procurá-la.
PP - Na última música, “Goodbye”, começas por te despedir e segues, então, para uma mistura de todos os temas presentes no álbum. Porque é que te despedes desta forma? Estás a fechar um capítulo?
AT - Sim, o capítulo desta viagem sobre os “Everyday Heroes”. Para mim, este é um disco concetual, logo, fazia sentido ter um fim. O final da “Goodbye” é quase o regresso a casa - ok, missão cumprida! Voltas a casa. Os heróis voltam todos a casa. É uma viagem a quase todas as memórias dos momentos que foram vividos. Neste caso, apontamentos de todas as canções que são percorridas durante o disco. “Goodbye” é, para mim, bastante festiva. Imagino-me a terminar os concertos com esta canção, como uma despedida, mas com energia. Uma despedida positiva.
PP - És um realizador bastante solicitado. Mas só agora, no single “The Future”, realizaste o primeiro vídeo para este projeto. Porquê só ao final de quatro anos de We Trust?
AT - Nos primeiros anos, a ideia foi sempre tentar convidar realizadores que trouxessem algo para o projeto. Algo construtivo, algo que eles tornassem num objeto artístico um pouco maior, um pouco mais interessante, através da sua visão. Ao fim de quatro anos, tinha uma ideia muito específica para um vídeo e achei que esta canção, “The Future”, e sendo este um disco tão dedicado as pessoas, se enquadrava bem nessa ideia. Imaginei uma espécie de homenagem para muitas pessoas. Por isso, achei que fazia todo o sentido ser eu a fazê-lo. Apesar de já ter colaborado com outros realizadores na criação de três vídeos para este disco, este foi o primeiro que eu fiz, e não coloco de fora a hipótese de fazer novos vídeos para o “Everyday Heroes”. Eu gostava que cada canção deste disco fosse filmada. Mas, lá está, tinha essa ideia de roubar do Youtube esses vídeos com várias pessoas, para fazer uma espécie de homenagem a todos os que vão para a internet. Eles também acreditam em algo. Estão lá a tocar canções de outras pessoas e a mostrar o seu talento. É uma espécie de crença… Não é? Quando alguém grava uma canção de outra pessoa e a partilha na internet, está a tentar criar um espaço nesse universo cibernético, no universo da música. Essas pessoas estão, de certa forma, a dizer metaforicamente, sem sequer terem consciência disso, que o futuro delas começa hoje. Elas estão ali a contribuir, estão a partilhar algo com o mundo.
PP - Ainda a nível de realização... Existe alguma banda com a qual gostasses de trabalhar? Já deste por ti a ouvir alguma música e a imaginar o videoclip que realizarias se tivesses essa oportunidade?
AT - Não sei, há tanta gente de que eu gosto… Agora ando a ouvir o último disco do Kendrick Lamar. São músicas que me dizem muito. São músicas muito urbanas e com uma perspetiva muito social, como grande parte do hip-hop - pelo menos aquele que eu consumo. E claro que me dão imagens, que me inspiram, visualmente. A música que eu costumo ouvir é aquela que, de certa forma, consegue inspirar-me visualmente. Ando a ouvir muito o disco do Kendrick, por isso, claro que, agora, curtia trabalhar com ele.
PP - Estando também ligado ao mundo da música, sentes-te em vantagem quando diriges um videoclip? E também transportas a prática no mundo da realização para o mundo da música?
AT - É uma pergunta difícil! (risos) Mas sim, depois de trabalhar tantos anos com músicos, vamos percebendo um bocado o que é a arte de fazer música. Seja tecnicamente, a nível de estrutura, de harmonias e de melodias, seja o que é ser músico, isto é, o que é necessário, perceber as dificuldades inerentes, os caminhos a percorrer e, claro, os que não devemos seguir. Também aprendemos o que não devemos fazer. E isso ajudou-me, claro. Para mim, isto de ser músico é algo muito recente - eu só consegui começar a escrever canções há pouco tempo. E o We Trust surge como uma surpresa, não como algo planeado. Mas claro que os mundos se tocam e influenciam. As pessoas costumam dizer que a minha música é bastante visual. De certa forma, o cinema e a imagem acabam por estar presentes nas canções. Se calhar, quando eu filmo, e também na edição, também existe alguma musicalidade. Talvez na forma como eu filmo... Acho que são dois universos que sempre estiveram presentes na minha vida, mesmo enquanto consumidor. Acaba por estar tudo muito ligado.
PP - Voltando a The Future, single de avanço do novo álbum... O que se sente quando se está prestes a lançar um sucessor para um grande sucesso, como foi o tema Time (Better Not Stop)?Um nervoso miudinho? Uma responsabilidade acrescida?
AT - Não… Acho que havia mais expetativas em relação ao disco do que em relação às novas músicas ou a este single e concreto. Seria um erro, para mim, estar a dar demasiada importância a isso, porque iria estar a gerar muita frustração. Geralmente, a reação das pessoas é completamente imprevisível. Mesmo que eu tentasse fazer alguma coisa de acordo com aquilo que eu imaginasse que seria o que as pessoas quereriam, provavelmente isso não iria resultar. O que me deixaria extremamente frustrado. Então, o que eu fiz foi fazer exatamente o que me apetecia. Tanto que este disco é uma experiência bastante diferente do disco anterior. A minha missão era chegar ao fim e ficar contente, e isso é algo concreto. Eu era a única pessoa que sabia onde queria levar este disco - se eu chegasse ao fim e ficasse contente, a missão teria sido cumprida. Depois, se as pessoas gostam ou não, isso já depende de tantos fatores e é tão subjetivo que, o que vier, já vem por acréscimo. A missão neste momento, para mim, já está concluída. Fiquei muito orgulhoso e muito contente. Para mim, já está ganho.
PP - Já trabalhaste com vários artistas, entre os quais os Best Youth, com quem criaste o projeto There Must Be a Place. Nunca pensasteem tornar We Trust num projeto de vários elementos? Ou preferes que continue a ser “teu e só teu”?
AT - Eu costumo dizer que We Trust vai além dos membros da banda - vai também para o público. O público, quando vai a um concerto nosso, é muito participativo. Para mim, as pessoas acabam por fazer parte daquilo que é We Trust e We Trust acaba por ser essa grande partilha das canções. Eu tenho a minha banda, que é quase fixa, por isso eu gosto de imaginar que We Trust é uma banda, embora seja eu a pagar as contas e a tratar de tudo. Desta vez, convidei dois membros da banda para fazerem parte da produção do disco, também: o Eurico Amorim, o nosso pianista, e o João André, que é o baixista. Isso é uma forma de unir um pouco mais o núcleo, mas, sei lá… A Sofia também faz sempre parte, acompanhou o processo todo da composição e também toca sintetizadores. Sei lá… O Sarafa, o nosso baterista, também já toca comigo desde o início. O Gil (guitarrista) também está desde o início. Por isso, para mim, We Trust é uma banda, embora seja eu quem segura um bocado as pontas das coisas.
PP - Em entrevistas anteriores, partilhas o teu interesse em internacionalizar o teu trabalho como músico. Em junho de 2011 dizias: "Foi uma missão primordial tentar levar (...) a música para fora - primeiro lá, depois cá. Sempre pensei estar a fazer um disco para o mercado universal, não estar a fazer um disco para o mercado português"("Ponto Alternativo", entrevista por Ana Beatriz Rodrigues).Tens o mesmo objetivo para “Everyday Heroes”?
AT - A verdade é que eu, nessa altura, não tinha bem noção do que iria acontecer ao projeto - 2011 foi o primeiro ano. O que aconteceu é que o nosso público cresceu substancialmente e então, logicamente, vou dar algum retorno a todas essas pessoas que fizeram de nós aquilo que somos hoje. Falo, neste caso, do público português. Mas sem dúvida que tenho continuado a trabalhar internacionalmente e a tentar construir algo - ainda hoje estive a tentar fazer alguns telefonemas nesse sentido. Isso é uma missão que nós temos: tentar levar a nossa música um pouco além-fronteiras. Acho que é difícil, e é muito difícil prever o que é que vai acontecer, também. Por isso, continuamos a tentar e a ver - pode ser que surja uma oportunidade para nós. Isto de ser músico é muito fixe, mas, para gerires a tua própria expetativa, tens que ter muito cuidado. Percebi que, se não queres ficar frustrado, o ideal é concentrares-te no ato de fazer a música da melhor forma que sabes, da melhor maneira que consegues. Depois, tudo aquilo que vier, vem por acréscimo. O importante é tu seres fiel e seres verdadeiro em relação àquilo que estás a fazer… e o que acontecer, que venha. (risos)
Catarina Soares
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