E é teatro porque é ação, conflito. Conflito que se estabelece entre o interior e o exterior. Ação que nasce da própria contemplação. A distância que vai de quem olha do cais o paquete que entra na barra, não é maior do que a distância de quem se contempla a si próprio, à sua memória do passado, ao seu desejo de futuro. É necessário vencer essas distâncias, viajar com elas, criar a partir delas: a distância da viagem, de perder países; e a distância do eu, ora amorosa e sensível, ora imoral e até violenta.

O ritmo das palavras dispara, por vezes, mais rápido que o ritmo do próprio coração. A emoção cresce e adensa-se com a ânsia da viagem. E é este ritmo quase esquizofrénico que o leitor retira da leitura do poema.

E a música? A música acentua-lhe esse ritmo, eleva a palavra à sonoridade da quietude celestial e afunda-a nas profundezas demoníacas do inferno. O homem debate-se consigo próprio e com o que vê. Ao mesmo tempo é silêncio inquieto e bulício galopante. Ora quieto, contemplativo, ora exaltante e vertiginoso; nele, as palavras ganham ritmos e padrões de cor, entre o suave arco-íris e o ribombar do trovão.

Um poema que é retrato da natureza humana: melancólico, nostálgico, sedutor e capaz de arrebatar os sentidos mais pacíficos. Que avança e que retrocede, que estabelece com o passado uma memória sonora de um tempo que se esvai. "Ode Marítima" é, por tudo isso, um retrato tão profundamente português, de uma maneira de estar e de viver, que parece que estamos a ver-nos ao espelho da nossa própria vida e da nossa própria história…