No total são 25 crónicas reunidas neste livro, editado pela Minotauro, 23 que o escritor português publicou ao longo de anos no Diário de Notícias, mais duas inéditas, uma sobre o escultor José Rodrigues e outra sobre o ficcionista Batista-Bastos.
Mário Cláudio admite que, quando escreve, cede à tentação biográfica e isso é visível na sua obra, designadamente na “Trilogia da Mão”, “três obras editadas como romances, mas romances que são também biografias”, em “Astronomia” ou em “Tiago Veiga”, como destaca José Carlos de Vasconcelos, no prefácio do livro de crónicas.
No entanto, apesar destas crónicas traçarem o perfil de personalidades da cultura portuguesa, não pretendem ser biografias condensadas, nem psicobiografias, nem retratos.
“Trata-se de um testemunho de convívio com 25 figuras maiores da cultura portuguesa, todas elas desaparecidas, mas não há qualquer esforço no sentido de descrever um percurso biográfico, apenas de apanhar alguns flagrantes dos meus contactos com essas pessoas ao longo de vários anos e registar memórias que deixaram em mim, essas pessoas com quem o convivo foi afável proveitoso e muitas delas deixaram-me saudades”, disse à Lusa Mário Cláudio.
Ferreira de Castro, Ilse Losa, Vergílio Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Jorge de Sena, Júlio Resende, Manuel António Pina, José Saramago, Natália Correia, David Mourão-Ferreira, Luísa Dacosta, Eduardo Prado Coelho, Fernando Namora, Vasco Graça Moura e Eugénio de Andrade são alguns dos retratados, com a intimidade da vivência e “uma margem de ficção”, por Mário Cláudio.
“As pessoas nunca são exatamente aquilo que são, são também muito aquilo que nós inventamos sobre elas. Acontece até com os mais chegados, que conhecemos melhor e cuja personalidade e imaginário é muitas vezes fantasiado, elaborado, efabulado”, contou.
Admite, por isso, como natural ter colocado no diálogo com essas figuras algo que não é estritamente factual, e que é o resultado da sua imaginação, porque num diálogo há sempre “a capacidade de nos colocarmos como dialogante e no papel daquele com quem dialogamos”.
Cada crónica é, portanto, “o resultado desta convergência entre dois olhares, são depoimentos, não pretendem ser mais do que isso, peças para um arquivo de memórias, numa altura em que a memória coletiva das figuras importantes, que marcaram épocas, está cada vez mais enublada”.
De entre estas figuras, Mário Cláudio destaca algumas: “Eugénio de Andrade e Jorge de Sena, que apadrinharam o meu primeiro romance; cada um escreveu um texto para cada uma das badanas, o que tornou o livro excessivamente protegido”.
Depois há David Mourão-Ferreira, com quem o escritor trabalhou e que o “marcou”, não só pela sua personalidade, mas pela sua mentalidade cosmopolita e europeia, pela sua “enorme cultura, sensibilidade e indiscutível qualidade da obra”.
“Foi não só um mestre, mas uma espécie de pai literário para mim, foi alguém que me suscitou reflexões sobre o que é o percurso de um escritor. Devo-lhe muito, devo-lhe quase tudo”, afirmou.
Ferreira de Castro, o autor mais antigo que aparece nas crónicas, e que Mário Cláudio conheceu ainda na adolescência, numa altura em que as coisas são ainda “muito vivas, mas também muito difusas”, teve uma “palavra de estímulo” que foi “muito importante” para o escritor, e pela qual se sente “extremamente grato”.
O “cronista Mário Cláudio” escreve “A Alma Vagueante” com “um olhar muito pessoal e uma prosa de eleição” – como nota José Carlos de Vasconcelos – mas resiste à tentação de “fazer literatura”, como resistiu a biografar, confessa o próprio autor.
As crónicas servem o propósito jornalístico de não se dirigir a leitores específicos, porque embora “todo o autor tenha o direito de escolher os seus leitores, quem escreve num jornal tem esse direito mais atenuado, não se pode atrever a escolher um nicho de leitores, tem que se dirigir potencialmente a toda a gente”.
Ainda assim, José Carlos de Vasconcelos afirma que, nestas crónicas, há “um olhar lúcido e incisivo”, e que a prosa, “sendo menos barroca e menos densa do que a dos seus romances, como na crónica se impõe, é por igual admirável no seu singular equilíbrio de abundância e rigor”.
Na escrita livre, Mário Cláudio assume que se insere numa tradição de Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro e Agustina Bessa-Luís: uma certa preocupação com a linguagem, com a sua preservação “a marca de cada qual, a que se chamava estilo”.
São aquilo a que ele chama de “tribos, ou famílias de autores”, em vez de “mestres”, escritores com quem “tem mais afinidades, e cujo imaginário e idiossincrasia estão num plano idêntico”.
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