"De manhã nasceu o dia e de longe vi a chegar, o mistério de aprender, um lugar onde morar. Era meigo e de olhos claros, cabelo escuro por pentear. E no meio dos seus medos, só queria namorar". Em silêncio, com a sala principal do Theatro Circo vazia, Cristina Branco ensaia um dos temas do seu recente disco, "Branco", editado na passada sexta-feira, 23 de fevereiro.
"Eu diria que o Theatro Circo é a sala mais bonita do país - não sei se posso dizer isto. Para mim, o Theatro Circo é um sítio muito especial, mesmo muito. Não só porque é muito bonito mas porque tem uma energia. Tem uma equipa fantástica. Acho que os teatros em Portugal estão muito acima daquilo que as pessoas possam achar - há muita gente que acha que lá fora é que é bom... na, na, na. Aqui, estamos a passar por cima disso tudo. As equipas são fantásticas e esta equipa é extraordinária. As pessoas que aqui estão são mesmo muito boas e recebem-te maravilhosamente", frisa Cristina Branco.
O concerto em Braga foi um dos primeiro da digressão que vai viajar pela Europa. Em março, a cantora tem três atuações marcadas em Espanha: dia 1, em Ponferrada, dia 2, em Alcobendas, e dia 3, em Salamanca.
Em abril, Cristina Branco andará pela Holanda (dia 5, em Aperdoorne, dia 6, em Leeuwarden, dia 7, em Eindhoven, dia 10, em Utrecht, dia 11, em Den Bosch, dia 12, em Venlo, dia 17, em Nijmegen, dia 19, em Nieuwegein, dia 20, em Breda, dia 21, em Lelystad, e dia 22, em Maastricht) e pela Bélgica (dia 14, em Antuérpia).
Veja no vídeo a entrevista com Cristina Branco:
Para maio, a cantora tem marcados concertos na Dinamarca (nos dias 3, 4 e 5, em Copenhaga, e no dia 8, em Arhus), na Suécia (dia 9, em Estocolmo), na Lituânia (dia 12, em Vilnius) e em Portugal (dia 15, em Lisboa, e dia 23, no Porto).
"Quando chegas ao palco há uma leveza em relação ao temas, em relação aos personagens. E só tens de te encontrar e tentar desfrutar o mais possível", explica a cantora em conversa com o SAPO Mag.
"No jazz é que acontece, quando tens um disco novo, apresentar o disco da primeira à última música. Neste universo de espetáculo, de concerto, é impossível. As pessoas querem ouvir outras coisas. Tu queres contar uma história e a tua história não passa apenas por aquele disco - no meu caso são 14. É óbvio que vamos incidir sobre o 'Menina' e sobre o 'Branco', mas há outras canções na minha vida, há outros momentos. Há canções que me fizeram chegar até aqui, até estes discos, e há o fado", revela Cristina Branco.
"Eu acho que fiz o caminho ao contrário ou fizeram-me o caminho contrário. Eu comecei por conhecer muito melhor o público estrangeiro do que o público português e agora é que trabalho muito mais em Portugal", recorda a cantora.
"Não sei há assim uma diferença ou um abismo entre o público português e o estrangeiro... quanto muito, a língua é um entrave. Quanto muito, as pessoas gostariam de perceber integralmente aquilo que eu estou a dizer - eu tento explicar o máximo possível a essência do concerto, a essência de meia dúzia de músicas que são, no fundo, os traços gerais do concerto. As pessoas têm de entrar dentro daquela energia que lhes estás a dar e por forma a receberem", acrescenta.
O álbum "Branco" é constituído por 12 temas - "Este corpo", "Eu Por Engomar", "Aula de Natação", "Namora Comigo", "Noite, Onde vais Cheia de Pressa?", "Perto", "Armadilha", "Rossio", "Afinal, O Que É Que Vês em Mim?", "Casa", "Eu" e "Minha Sorte".
Mário Laginha, Sérgio Godinho, Jorge Cruz (Diabo na Cruz), André Henriques (Linda Martini) e Filho da Mãe, Kalaf (Buraka Som Sistema), Beatriz Pessoa, Nuno Prata, Peixe e Luís Severo são alguns dos músicos que participaram no disco. Os arranjos ficaram nas mãos de Luís Figueiredo (piano e percussão), Bernardo Moreira (contrabaixo) e Bernardo Couto (guitarra portuguesa).
"Os convites não são formais, é uma coisa mais fria", explica Cristina Branco. "Eles mandam três ou quatro coisas, algumas vão para trás e depois voltam. Ou seja, é uma coisa muito de músico. Nem sei muito bem explicar porque é a nossa forma de trabalhar. Pelo menos, a minha forma de trabalhar com eles", conta.
Eu não posso estar apenas a cantar o outro
"Eu ouço, re-ouço e repasso. Há coisas que me custam imenso. É como quando tu estás a aprender. Eu estou a aprender, eu passo o tempo, felizmente, a aprender. E há coisas que eu estranho e que acho que não vou ser capaz de cantar - como na música do Jorge Cruz, a coisa das hérnias discais e das varizes. Sabes, senti um certo desnudar da mulher e não me apeteceu. Isto, de alguma forma, estava a ser um preconceito. Tudo o que eu não queria para o 'Branco'. Então, algum tempo depois, depois de uma semana a processar isto tudo, acabei por olhar para dentro e dizer aos rapazes 'vamos mesmo assumir as hérnias discais" e vamos canta-as. E ficou toda a gente contente", revela a cantora.
"Tens de entrar dentro dos textos, tens de construir. Tens de te encontrar dentro daquelas pessoas - para mim, são sempre pessoas... mesmo que se esteja a falar de uma situação e de ninguém em especial. Construo um quadro e tendo e entrar dentro dele. Tenho de fazer parte. Eu não posso estar apenas a cantar o outro, há qualquer coisa de mim que tem de passar para ali e vice-versa", acrescenta.
"Branco" chega dois anos depois de "Menina", o melhor disco do ano para a Sociedade Portuguesa de Autores ."Acho que é uma nova realidade. A partir do momento em que pedes às pessoas que colaboraram contigo no disco antigo, quando lhes pedes algo de novo dois anos depois, qualquer coisa muda em nós. Não só em mim enquanto cantora, mas neles também. O tempo atravessa-nos e é óbvio que estamos a falar de outras coisas. Eu neste disco, não pedi nada. Não pedi nenhum tema em especial. Pedi apenas que escrevessem sobre o que lhes apetecesse. Alguns acabaram de escrever sobre mim, eu acho. Outros sobre a vida e sobre a observação da vida lá fora. E o resultado é o 'Branco'", explica a cantora.
"Não encontro uma ligação entre 'Branco' e 'Menina'. Há talvez uma linha sonora que lhes pertence a eles e que nós fomos adaptar para a nossa linguagem. Mas eles já são pessoas diferentes, como eu sou. É outra coisa, portanto. 'Menina' fechou uma porta, 'Branco' abriu outra", confessa.
Ao SAPO Mag, Cristina Branco frisa que a criação do disco é um processo "lento". "Primeiro os autores enviam e depois está ali comigo uma data de tempo. Até que eu comece a ganhar coragem de mostrar aos Bernados e ao Luís e de começarmos a construir qualquer coisa", conta.
Não podes tratar uma ou outra música de forma menor
Depois de meses entre letras, acordes e gravações em estúdio, o disco chegou às lojas e aos serviços de streaming. "Ter o disco na mão é maravilhoso. Sei lá. É como se tu descobrisses outro passo da tua vida, da tua identidade. É incrível. Sai-te um peso de cima porque tu assumes a responsabilidade de dar vida a uma data coisas que também foram importantes para outras pessoas. Não podes ser leviano. Não podes tratar uma ou outra música de forma menor. Tens sempre de edificar tudo aquilo. Ou seja, eles entregam-te a matéria prima e tu tens de edificar, sempre. Tens de fazer mais, tens de fazer melhor, tens de partir para a tua cena. Mas tens que dar o nome dos outros, tens de dar a cara dos outros e isso é um peso tremendo", frisa.
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