A partir de texto do brasileiro Victor Martins Sant’Anna, a peça produzida por “O Nariz” - Teatro de Grupo leva a palco o testemunho de Agripina sobre o tempo do bisavô Otavius Augustus, de Tibério, do irmão Calígula, do tio e marido Cláudio e do filho Nero.
“No fundo, é a nossa história. Os romanos estiveram cá centenas de anos. Somos netos desta pobreza toda”, considerou o encenador Pedro Oliveira, lembrando à agência Lusa o registo de “toda aquela gente que se casa uns com os outros, o incesto, são amantes uns dos outros, a devassidão, a morte e as facadas”, que marcaram o império romano e que são contados em “Agripina, a menor”.
Isabel Muñoz Cardoso, que inicialmente até recusou o convite - “sinto-me um bocadinho gasta, velha e cansada e monólogos nunca foram a minha ‘praia’” -, acabou por aceitar, pela força do papel.
“Ela, realmente, lutou pela vida, pela felicidade, pelo seu filho, por tudo e tudo, o melhor que pôde. E tal como nós, mulheres, hoje em dia, fez o que pôde pela vida, para ter sucesso, para ser uma pessoa digna e para dar uma boa vida ao seu filho”.
A vida não foi fácil para Agripina, a menor - cognome dado para a distinguir da mãe - e é isso que é contado na peça que estreia na sexta-feira.
Isabel Muñoz Cardoso recordou à Lusa que ela teve “um irmão que fez dela amante, um tio que se casou com ela, um filho que, enfim, a matou, no fim”.
“Portanto, ela teve uma vida muito difícil, que é bastante parecida com as vidas que nós temos também, hoje. O que me agradou foi ser uma grande mulher”, assumiu a atriz.
Segundo Pedro Oliveira, o texto de Victor Martins Sant’Anna foi adaptado para retirar “tudo o que pudesse ser de riso fácil” para transmitir a carga dramática desejada.
“Esta peça não tem adereços, não tem cenografia, não tem música, não tem vídeo, não tem projeção de imagens, não tem rigorosamente nada. Vai ter que ter luz, porque é um espaço interior”, porque a ideia de “O Nariz” é “voltar tudo um bocadinho ao princípio das coisas”.
Ou seja, texto, interpretação e direção de atores, no caso de Isabel Muñoz Cardoso, e há nisso um risco, admitiu o encenador.
“Hoje, para ter apoios do Estado e da DGArtes, toda a gente faz coisas com música, com músicos ao vivo, com projeção de imagens, multidisciplinar. Eu adoro ver essas coisas às vezes. Há coisas muito bem feitas, mas decidimos, até por causa dos meios que temos e também propositadamente, secar tudo isto e fazer uma coisa que volte à base”.
Em palco, Isabel promete “uma Agripina nem bonita, nem fofinha, nem riquinha - não é nada disso -, mas é uma valente”.
“No fundo dizem mal dela, mas, meu Deus! A vida dela, o que ela lutou para poder sobreviver, e não sobreviveu muito: o filho mandou matá-la”, desvendando o fim de uma história sobejamente conhecida, que “até pode ser meio arrepiante, mas era como se faziam as coisas na altura”.
“Não havia cá essas eleições e esses dinheiros e esses subornos. Mas havia também maneiras esquisitinhas de pôr as pessoas lá no trono. Acho que a humanidade não mudou assim tanto”, desabafou.
Com estreia agendada para sexta-feira, às 21h30, no Teatro Miguel Franco, em Leiria, “Agripina, a menor”, marca o início do festival Acaso, que decorre entre 29 de setembro e 29 de outubro.
Num total de 21 datas, há teatro, concertos, cinema e performances nos concelhos de Leiria, Marinha Grande e Batalha, com artistas de Portugal, Argentina, Brasil, Chile, Espanha, França, Israel, Itália e Reino Unido.
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