“À Moda Quarteirense” é um álbum, mas também uma das faces visíveis do trabalho do movimento Sou Quarteira, que uniu os ‘quarteirenses’ Dino D’Santiago, Inês Oliveira, Miguel Jacinto e Naomi Guerreiro com o objetivo de mostrar ao mundo o talento de Quarteira, em áreas que vão da Música ao Desporto, passando pela Ciência.
Este movimento, recordou o cantor Dino D’Santiago em entrevista à agência Lusa, nasceu de “um sonho” de fazer com que se olhe para Quarteira “como ela merece ser vista”.
“Conhecendo grande parte dos talentos que a cidade tem, a viver nela e fora dela, não percebemos o porquê de muitas vezes Quarteira só estar ligada àqueles três meses de verão. Foi quase trazer um holofote a tudo o que saía de Quarteira para o mundo, criando uma plataforma de exposição dos talentos locais”, recordou.
“À Moda Quarteirense” acabou por surgir no ano passado, durante o confinamento, dada a impossibilidade de se realizar uma nova edição do festival Sou Quarteira - “que foi usado para dar palco às vozes de Quarteira [junto] com artistas já lançados a nível nacional e internacional, sem que houvesse um cabeça de cartaz” - cujo cartaz em 2019 incluiu, entre outros, Branko, Mayra Andrade, Plutónio, Mundo Segundo & Sam The Kid e Jimmy P.
“O álbum é, também uma chamada de atenção num período em que se cancelou a Cultura. Envolvemos muita gente neste projeto, equipas de som e imagem, profissionalizou-se 16 artistas, pagou-se inscrição na SPA [Sociedade Portuguesa de Autores] para que se tornassem autores”, referiu o cantor.
Na direção artística de “À Moda Quarteirense” foram envolvidos “criativos da cidade” – Dino D’Santiago e Mike Ghost - mas também alguém de fora, “que já provou o seu valor a nível nacional e internacional” – Holly, que é das Caldas da Rainha.
“Três ângulos diferentes, três abordagens diferentes, para elevar os talentos que temos em Quarteira”, referiu Dino D’Santiago.
Em projetos como este, ajudam-se os talentos mas, “às vezes, limita-se o acesso aos melhores produtores, aos melhores arranjadores”, mas com “À Moda Quarteirense” não foi assim.
“Juntámos também à equipa o Charlie Beats [que já produziu para Wet Bed Gang, Kappa Jotta ou Papillon, entre muitos outros], para fazer a masterização e mistura do disco. São pessoas que abraçaram o projeto como se fossem de Quarteira, e isso é lindo”, salientou.
Holly é uma dessas pessoas e contou que ouvindo as músicas sente que conhece “as cores das casas, os cheiros das ruas, as texturas” de uma cidade que não é a sua.
“Sou o exemplo de como as pessoas que não são de Quarteira podem ouvir o projeto e podem sentir esta banda sonora de Quarteira e conhecer mais artistas, que se calhar não iam ter a oportunidade se não fosse através do álbum”, disse.
O DJ e produtor partilhou que, com Dino D’Santiago e Mike Ghost, não chegou “a definir muito bem a parte sónica” do disco: “Fomos com o ‘flow’ e vimos como é que as cenas corriam”.
Quando começaram as surgir as letras dos primeiros temas, recordou Dino D’Santiago, os três perceberam “que muitos estavam a pegar em detalhes de certas ruas” e “ali começa a nascer o mote”.
Cada um dos 16 temas do álbum tem o nome de uma rua de Quarteira, “porque os artistas trazem a identidade do que se passava naquela rua, o que se ouvia, o que se sentia”.
Os temas foram criados e interpretados por músicos tão diferentes como Mascote e Subtil, “que descobriram o hip-hop em Quarteira e hoje fazem disso vida”, Isa, “que já é fadista”, Mike Ghost, “mais dentro do punk e do hardcore”, ou Bruno Mariano, “um Frank Sinatra da nova geração”.
E, garante Dino D’Santiago, “essa diversidade sente-se no disco”. Holly reforça: “Isso é que é incrível, o disco tem tantas sonoridades, mas ao mesmo tempo soa tudo coeso e faz sentido”.
Uma das coisas que liga o álbum “é a voz do poeta Pardal” que, contou Dino D’Santiago, “era um poeta da cidade, analfabeto, que tinha um amigo que andava sempre atrás dele e ia escrevendo tudo o que ele ia dizendo”.
“Fazia desgarradas de fado, era pescador, pescava ilegalmente, ia a pé de Quarteira a Olhão. E o álbum é também uma homenagem a ele, que representa o que é Quarteira e esta resiliência de sempre, e fazer-se ouvir mesmo sem saber escrever ou ler”, disse.
“À Moda Quarteirense” chega na sexta-feira às plataformas digitais - terá mais tarde uma edição em vinil –, e é apresentado ao vivo, no domingo, em Quarteira, como não podia deixar de ser, tendo como cenário três murais criados por outros tantos ‘filhos da terra’ (Elísio Menau, Nuno Viegas e Daniela Guerreiro), também no âmbito do movimento Sou Quarteira.
Daniela Guerreiro partilhou com a Lusa a importância que teve ser convidada a pintar na cidade de onde saiu para “estudar e tentar lutar” pelo seu sonho.
“Vejo o que eles estão a fazer com este projeto como uma alavanca para o que está a ser abafado na nossa cidade. Toda a gente houve falar de Quarteira por um meio [o Turismo], que abafa tudo o que está lá, neste caso, a Cultura”, disse.
Daniela vê o Sou Quarteira como “uma pequena esperança para os talentos que estão na cidade” que se viu obrigada a trocar por Lisboa.
Com o mural que pintou, a artista quis “chocar um pouco as pessoas de fora e o quarteirenses com lixo que se está a provocar”. “São as mãos de um pescador, muito enrugadas, em que se nota o trabalho de uma vida inteira, uma rede de pesca, que é o comércio, e o lixo a envolver o nosso alimento com os resíduos que deixamos”, descreveu.
Dino D’Santiago salienta que estes três murais foram pintados “no coração da cidade”, e que “há a ambição de desenvolver nas paredes de Quarteira mais murais”.
Outro plano do Sou Quarteira é realizar o festival em 2022, mas a “grande ambição do projeto é que se replique nos vários municípios pelo país, que se dê força aos artistas para que algo aconteça”. E os fundadores movimento, garantiu, estão disponíveis para ajudar.
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