Caetano Veloso arrancou o primeiro dos sete concertos em Portugal lembrando que já não cantava ao vivo há dois anos. De camisa florida psicadélica e fato azul marinho, o brasileiro trouxe beleza a tempos de tristeza. Foi com medo, mas com felicidade - ainda bem - que aos poucos as pessoas começaram a crer estarem diante do palco, enquanto Caetano dividia com o público a importância de uma atuação e do contacto humano nas nossas vidas.

"Alegria! Alegria!" Caetano voltou e trouxe com ele o sorriso do artista com uma tranquilidade elegante de quem sabe como arrancar reações viscerais dos seus admiradores. Foi aos gritos e aplausos que o Coliseu dos Recreios tremeu de felicidade. Porém, bastou soarem os finos acordes de "Milagres do Povo" e "Menino do Rio" que a melancolia regressou.

Veja na galeria as fotos do concerto:

Mesmo com o início do concerto um pouco depois das 20h30, ainda havia quem tentasse encontrar o seu lugar ao sol - já que a luz de Veloso brilhava. Aqui é importante dizer que o atraso foi causado pela demora na verificação dos testes e certificados; deixando uma dica importante: chegar mais cedo em tempos de pandemia pode fazer a diferença. E para quem teve coronavírus ou tomou apenas umas dose da vacina, lembre-se que é necessário apresentar o teste negativo para COVID-19 ou certificado digital de recuperação.

Impossível não ficar emocionado com a força e a leveza nas palavras do verso de "Um Índio", principalmente neste momento em que o mundo é testemunha da luta dos Povos Indígenas no Brasil e na América Latina: "Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante. De uma estrela que virá numa velocidade estonteante. E pousará no coração do hemisfério sul. Na América, num claro instante".

O tom genuíno da voz e viola de Caetano Veloso seguiu com "Cajuína" - "Tampouco turva-se a lágrima nordestina". Suspiros de alívio misturavam-se com a 'euforia contida' da plateia, que não sabia estava a cantar alto demais ou se o abraço do amigo ao lado era mesmo permitido. "O Ciúme", "Branquinha" e "Você é Linda" foram construindo um alinhamento memorável nesta noite de verão lusitana.

Crítico ao atual presidente do Brasil (Jair Bolsonaro), Caetano Veloso não fez nenhum comentário sobre a situação política do país. Deixou que as próprias pessoas se manifestassem.

“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”, cantou o poeta e reagiu a plateia, que a cada estrofe parecia partilhar com o autor a dor contida na canção escrita em 1977, período da ditadura militar.

Caetano Veloso no Coliseu dos Recreios: o concerto em fotos
Caetano Veloso no Coliseu dos Recreios: o concerto em fotos créditos: Stefani Costa

“Uma canção que escrevi há muito tempo”, foi a frase que deu início a "Sampa", seguida pela "deslumbrante canção venezuelana" 'Tonada de Lua Llena", de Simón Diaz, passando por "Desde que o Samba é Samba", mandando a tristeza embora e abrindo espaço para que o público pudesse então cantar "Leãozinho".

Um dos pontos altos do concerto foi a interpretação de "Terra", escrita com o amigo Gilberto Gil em 1968, quando ambos foram presos. Durante o cárcere, Caetano ficou emocionado ao ver as imagens da primeira viagem do homem à Lua: “Quando me encontrava preso na cela de uma cadeia. Foi aí que eu vi pela primeira vez as tais fotografias. Em que apareces inteira, porém lá não estavas nua. E sim coberta de nuvens".

O músico também dividiu com a plateia o seu gosto pelo fado português ao cantar "Confesso", de Amália Rodrigues. Entre risos, brincou que as “sílabas desse fado” não ficavam tão boas no português do Brasil: "Brasileiro é meio esquisito”.

"Reconvexo", um sambinha maroto, aí aplausos e pausa para respirar. Já quase ao fim, mais gritos de "Fora Bolsonaro" e “Bolsonaro Genocida” misturam-se às palmas do público que se manteve de pé.  Caetano Veloso regressa depois a palco para alívio daqueles que já desconfiavam que fosse o fim, o qual realmente se aproximava e ninguém queria acreditar... Saudade é o nome disso.

"Qualquer Coisa", "Odara" e, derradeiramente, "Luz de Tieta". Foi no calor do aplauso e na certeza de que a arte pode salvar as nossas vidas que Caetano Veloso escreveu mais um capítulo num tempo onde “quem mais goza e pena é quem serve de farol".