De acordo com os dados da Gfk - entidade independente que em Portugal faz auditoria e contagem das vendas de livros ao longo do ano –, na semana 12 (entre 16 e 22 de março), a venda de livros em Portugal teve uma quebra superior a dois terços do valor (-65,8%), em comparação com a semana homóloga do ano passado.
Neste período, foram vendidos menos 121,6 mil unidades (um total de 70.427 face a 192.073 unidades vendidas na mesma semana do ano passado), o que representa uma quebra de 1,6 milhões de euros no mercado total (858.811 milhões contra 2.510.926 milhões no período homólogo).
Por setor, esta redução na compra de livros atingiu os 40% nos hipermercados e os 73% em livrarias e outros espaços de venda de livros.
Estes números, já de si alarmantes para o setor, vão agravar-se já nesta semana, uma vez que esta quebra de vendas ocorreu no momento em que se deu a interrupção e encerramento das livrarias, que, em alguns casos, foi gradual e não imediato, disse à Lusa o presidente da APEL, João Alvim.
Quanto aos hipermercados, fecharam mais tarde, esgotaram o 'stock' de livros que tinham e não fizeram reposição, por isso as vendas não caíram tão drasticamente, explicou.
O problema maior começa na semana seguinte (semana 13) – cujos dados ainda não estão disponíveis -, que se seguiu à declaração do estado de emergência, em que as livrarias já estão “em total encerramento”.
“Nesta semana que se segue, vamos ver números absolutamente demolidores. A minha expectativa é que venha para números baixíssimos, tanto nas livrarias como nos hipermercados. É uma situação dificílima que se está a viver neste momento, porque todo o circuito parou”, afirmou João Alvim à Lusa.
Mesmo a decisão do Ministério da Cultura permitir que as livrarias abrissem para vender ao postigo “não teve impacto nenhum”: “as vendas estão completamente paradas, não há vendas nenhumas, as que ainda subsistem são ‘online’, mas mesmo as livrarias virtuais têm um peso muito pequenino no conjunto do mercado, se representarem 5% das vendas é muito bom”, lamentou o responsável.
Segundo o presidente da APEL, “toda esta atividade está numa situação de extrema aflição”, porque envolve muita gente e muitos custos fixos, como as rendas, o que afeta especialmente as livrarias dedicadas exclusivamente ao livro, que não tem outros produtos para vender.
Com este encerramento forçado e com a paragem de vendas, deixa de entrar dinheiro e, a certa altura, vão ter de pagar os seus livros aos fornecedores e não vão poder fazê-lo, assim como não vão poder pagar as rendas.
João Alvim alerta para as livrarias que não vão conseguir sobreviver, nem com empréstimos, pois mesmo um pagamento acordado entre seis e 12 meses é “uma impossibilidade, porque três meses de rendas significam um acréscimo de 25% no custo anual da renda, até conseguir pagar o que fica em atraso”.
“Isto vai inviabilizar muitas livrarias, porque não vão conseguir suportar essas rendas”, salienta o presidente da APEL, que deposita as únicas esperanças em ajudas do Governo.
“Temos insistido junto do Ministério da Cultura para tomar medidas no sentido de subsidiar, de pagar as rendas, a fundo perdido, das livrarias e não tivemos resposta sobre estas propostas. Posso entender que é difícil para o governo encontrar soluções para toda a gente, mas o que é facto é que estamos perante este cenário e é extremamente difícil”, afirmou, sublinhando que esta crise não se ficará só pelas livrarias mais pequenas, irá também afetar “outras livrarias com maior dimensão, porque não poderão suportar essa situação".
Com os editores, a situação não é melhor, porque, excluindo as poucas casas editoriais grandes que existem, a grande maioria consiste em pequenas e 'micro editoras', mesmo independentes, que “não têm fundo de maneio para suportar uma interrupção de recebimentos dos livros que foram vendidos entretanto, porque ficam sem meios de sobrevivência”, já que têm de pagar os seus custos, os seus funcionários e os fornecedores.
Sendo o editor uma entidade que assume praticamente a totalidade do risco da edição, fica “numa extrema vulnerabilidade”, considerou, lembrando que, com a recessão de 2010-2012, o mercado do livro caiu 25% e nunca mais recuperou.
O responsável da APEL lembra ainda todos os que, não sendo editores, vivem da atividade dos serviços que prestam às editoras, como tradutores, capistas, revisores, preparadores, gráficos e as próprias gráficas, já que a atividade do livro em Portugal representa 20% da atividade da industria gráfica.
“Isto é uma dificuldade de uma dimensão imensa. Ou há medidas tomadas com muita rapidez sobre aquilo que é necessário fazer e com urgência, ou nós poderemos daqui por três meses ver encerramentos e despedimentos maciços dentro desta área. Temos pressionado o governo, temos estado a procurar dialogar com o governo, mas muitas das medidas generalistas que têm sido tomadas não são aplicáveis sequer na atividade do livro, que tem condições à partida muito frágeis e muito únicas, e não vemos como é que isto possa continuar”, lamentou.
João Alvim salientou que, quando esta crise passar, a retoma não vai ser imediata, “vai levar meses ou anos a recuperar” e, tendo em conta a experiência da última crise, é de antever que o mercado do livro “vá sofrer mais do que sofreu da ultima vez”.
“A situação de desespero é geral. Até ao momento ainda não encontrámos apoios para a nossa atividade. Esperemos que muito em breve o governo tenha um olhar para esta atividade, que é a principal atividade na área cultural, que tem um impacto muito grande na sociedade, que abrange todas as áreas do conhecimento”, afirmou.
Hoje, um grupo de dezenas de livrarias independentes dirigiu uma carta aberta aos órgãos de soberania com uma série de reivindicações para ajudar a salvar o setor, entre as quais, pedidos de apoio à tesouraria e às rendas.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da COVID-19, já infetou mais de 940 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 47 mil.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 209 mortes, mais 22 do que na quarta-feira (+11,8%), e 9034 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 783 em relação à véspera (+9,5%).
Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 2 de março, encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de 19 de março, tendo a Assembleia da República aprovado hoje o seu prolongamento até ao final do dia 17 de abril.
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