A viagem foi dura. A estrada era apertada, sem berma, o alcatrão esburacado, o sol indomável, as ribeiras a implorar por um único jorro de água que fosse. Até que: "Bem-vindo ao concelho do Crato". Às quatro da tarde, a cerveja e o tremoço já tomavam conta do assunto. Os cafés e as praças a transbordar. Quão bom é sair de casa.
O primeiro dia é sempre o primeiro dia. E como já é de costume no Festival do Crato, a fita foi cortada pelo Presidente da Câmara. A banda filarmónica, vestida bem a rigor, cortejou pelas ruelas até invadir o recinto, trazendo atrás de si as falanges mais curiosas. À volta do palco eram poucos os que se contavam. A responsabilidade foi totalmente dos espaços de restauração e das tendinhas de artesanato. A paisagem de savana, só habitada pelas oliveiras e pelas fábricas de leite ambulantes e malhadas, contrastava com o frenesim do "experimentar isto", "ver aquilo", "dar uma vista de olhos", "perguntar quanto é". A multidão crescia a olhos vistos e, segundo dados da organização, depois das 23:00h já tinham sido vendidos mais de 15 mil ingressos.
O Festival do Crato é uma espécie de ilha rodeada de terra por todos os lados. A música começa mais tarde, é certo, mas este recinto está muito bem guarnecido. Não falta nada. É perfeitamente possível passar um dia inteiro aqui dentro com a garantia de um bom passeio, com muito para visitar e um bom convívio, com farnel para afagar o paladar. Ele é bebés a ser empurrados dentro do carrinho, ele é apaixonados-de-fresco a partilhar a caipirinha, ele é pequenas sociedades do "vai a cima, vai a baixo, vai ao centro e vai para dentro", do "mão direita, mão direita é penalty", ele é nascidos nos anos 30 e 40 a desfilar com uma energia invejável, ele é o Crato!
E Crato rima com Carlos do Carmo. Carlos do Carmo rimou com singeleza, brilhantismo e bodas de ouro. Sim, 50 anos de Carlos do Carmo e as velas sopradas pela rara brisa que corria. Um recital, uma declamação cantada. Uma vénia do Presidente da Câmara, com direito a uma lembrança pela data emblemática.
O público alentejano tem consciência de que a paciência é uma grande virtude. Tanto assim é, que não arredou pé sem antes ver, é claro, Os Azeitonas e o seu quase inevitável bilinguismo. Era uma e meia da manhã quando a espera acabou. Muitos braços no ar, muitos saltos, muita vontade de "ver aviões" e de ouvir "ray dee oh". Há quem diga que o primeiro dia dos festivais é sempre um "warm up". Estamos preparados para correr a maratona.
Fotos por: Débora Lino
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