Escrita em 1995 pelo dramaturgo, argumentista e diretor britânico de teatro David Hare (1947), “Telhados de Vidro” ("Skilight", no original) assinala o regresso do ator Diogo Infante ao palco do teatro de que é diretor artístico.
Diogo Infante é Tomás, um empresário bem-sucedido na vida que enviuvou há pouco e que resolve procurar Clara (Benedita Pereira), que acolhera na sua casa e com quem, durante seis anos, mantivera uma relação extraconjugal.
O cenário fixa-se na pequena habitação de Clara, em Chelas, durante uma noite em que Tomás decide bater-lhe à porta para tentar perceber o porquê da ruptura, do seu desaparecimento e, em simultâneo, tentar reatar a relação com a mulher que não deixara de amar.
Para Marco Medeiros, que encena o texto e regressa ao Trindade depois de aí ter dirigido “O Diário de Anne Frank”, “Telhados de Vidro” é um texto com o qual à primeira vista “não se revia”, mas que logo na segunda leitura percebeu ter “muita coisa” que pretende dizer - matéria que quer debater na sociedade e falar com o público, como afirmou, já que o texto fala da “essência humana”.
O texto foge também, "facilmente e repetitivamente, a códigos, barreiras, a leis, a regras”, sustentou o encenador no final de um ensaio de imprensa, alegando que “a nossa natureza humana nos obriga a corromper-nos com milhões e finais felizes”.
E apesar de “o nosso traço honrado e digno nos obrigar a arcar com o sentimento de culpa, por vezes a nossa natureza não nos permite confiar ou exercê-la a cem por cento”, enfatizou.
Clara é professora, mais jovem que Tomás, e quando chegou a Lisboa foi acolhida por este e por sua mulher em casa do casal. Pouco depois, Clara e Tomás viveram uma história de amor apaixonada. Mas quando a mulher de Tomás descobriu, Clara desapareceu sem deixar rasto nem explicar o motivo por que terminou a relação.
Num pedaço de noite, Clara, que nunca demonstrou ter sentimentos de culpa pela relação que teve com Tomás, e Tomás, que embora apaixonado por Clara carrega a culpa de ter traído a mulher, travam uma batalha que demonstra que ambos têm ideologias e desejos opostos.
“Telhados de Vidro” é tudo menos a história de amor com final feliz e, para Marco Medeiros, é também uma história interessante por “inverter alguns valores” a que a sociedade nos habituou.
É o caso da ausência de culpa assumida por Clara – agora em dedicação completa à profissão e ao contacto com alunos problemáticos -, e a culpa assumida por Tomás, que continua infeliz sem conseguir ultrapassar o passado.
O “erro humano” é, pois, um tema que perpassa a peça e que interessou a Marco Medeiros, por se tratar de um tema que “proporciona sempre histórias incríveis, daquelas que não são tão esperadas como estas, como os finais infelizes”.
“E essa abertura para o erro, expor o erro e debater o erro, [para] a relação ser um debate de uma zona de erro, para mim é fascinante e quis muito trazer isso aqui, esse debate aqui ao público”, com a peça, observou o encenador.
“Telhados de Vidro” estabelece-se num jogo psicológico, humano, com o carregar de um sentimento de culpa – como um telhado de vidro –, num texto que parece que “quebra princípios e regras, numa inversão de valores que não o é, mas apenas uma outra forma de os ver”, sintetizou Marco Medeiros.
Do texto original, apenas os nomes das personagens e os locais da ação foram alterados, com esta a passar-se em Lisboa, Chelas, Sintra e Almada, em vez de Londres e seus subúrbios, disse o encenador.
Ao longo da peça destaque para uma 'sobrenarrativa' que vai passando em legendas projetadas no cimo do cenário e que, segundo Marco Medeiros, não corresponde a uma narrativa mas a um guião que não é seguido pelos personagens, expondo “a contradição” daquilo que “é expectável com o que acaba por acontecer”.
Estreada em 1995 no National Theatre, em Londres, tornando-se rapidamente numa das mais bem-sucedidas peças de David Hare, com sucessivas produções ao longo dos anos, nomeadamente na Broadway, “Telhados de vidro” estará em cena na sala Carmen Dolores até 17 de novembro, com récitas de quarta-feira a sábado, às 21h00, e ao domingo às 16h30.
Com tradução de Ana Sampaio a peça conta ainda com interpretação de Tomás Taborda e com música ao vivo pelo pianista Jorge A. Silva.
A cenografia é de Fernando Ribeiro e o desenho de luz de Marco Medeiros.
Na quarta-feira há um ensaio solidário, com a receita a reverter para a associação A Par e, no dia 20 de outubro, após o espetáculo haverá conversa com o público.
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