Com direção geral e artística da soprano Catarina Molder e produção da Ópera do Castelo, o Operafest Lisboa nasce num ano atípico, marcado pela pandemia de covid-19 e pelas várias limitações que esta originou.
Entre 21 de agosto e 11 de setembro, vai decorrer no jardim do Museu Nacional de Arte Antiga e nas Carpintarias de São Lázaro, com uma programação variada e abrangente que vai dos grandes clássicos à ópera de vanguarda, para agradar a todos os públicos, explicou à Lusa Catarina Molder.
“Tosca”, de Puccini, a Maratona Ópera XXI, um concurso de ópera contemporânea, uma ‘rave’ operática, com distanciamento social, que mistura o mundo da pop e da ópera, e “Cine-Ópera”, com versões cinematográficas de grandes óperas, são os seus grandes destaques.
“Sempre senti que o mundo da ópera estava muito fechado sobre si próprio e o nosso país é um dos países com menos produção de ópera. O Teatro São Carlos é pouco dinamizador. Esta era uma ideia que estava no forno há vários anos: criar um festival que fosse ao encontro do público com propostas muito diversas”, disse.
A “Tosca”, de Puccini, não é encenada em Lisboa há 12 anos, o São Carlos não faz uma encomenda há mais de 10 anos, e a Gulbenkian e a Culturgest também deixaram de fazer, alerta Catarina Molder, justificando a urgência de divulgar ópera.
“Temos jovens qualificados que não têm hipótese no seu próprio país. Queremos mostrar o trabalho deles e, ao mesmo tempo, tirar partido do património arquitetónico e natural de Portugal”, razão por que foram escolhidos aqueles dois espaços para apresentar o festival.
A soprano quis aproveitar a conjunção de vários fatores, por um lado, esta ser uma altura do verão em que praticamente não há oferta cultural, por outro, apresentar grandes compositores, repertório novo e clássico e envolver o público na avaliação das peças.
Exemplo disse é a “Maratona Ópera XXI” (30, 31 de agosto e 03 e 04 de setembro), que leva a concurso sete novas óperas, que foram selecionadas no início do ano: “ouvimos o trabalho apresentado por várias candidaturas e escolhemos estas, avaliadas pela qualidade e pela força dos libretos”.
Antes disso, o jardim do Museu Nacional de Arte Antiga vai receber, entre 21 e 28 de agosto, “Tosca”, de Puccini, que não será apresentada na versão completa, devido às restrições impostas pela covid-19.
“Já existem novas versões mais pequenas orquestrais. A compositora residente desta edição, Ana Seara, vai fazer uma nova versão da ‘Tosca’, mais íntima, mas mais rica”, disse.
A mesma compositora também vai apresentar a “Rave operática”, nas Carpintarias de São Lázaro, junto ao Martim Moniz, “em que o mundo pop se cruza com a ópera, uma homenagem a vários artistas, que vão desde a Nina Hagen à Maria Callas, e que além de ‘happenings’ operáticos e misturas líricas, vai ter uma micro-ópera ‘orgásmica’, de cinco minutos”, intitulada “Prazer”.
Haverá ainda lugar para conferências que exploram o tema central da programação desta primeira edição do Operafest Lisboa: a traição e o engano, explorando a ideia do “quanto pior, melhor”, porque "na ópera quanto mais trágico melhor funciona".
Uma das conferências estará a cargo de Maria Filomena Molder, que se vai debruçar sobre a ideia do “quanto pior, melhor”, e que sob o mote “Jogos da vida”, falará sobre o “ciclo do mal”.
As grandes heroínas operáticas, por Rui Vieira Nery, é a outra conferência programada, com o título “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, como é o caso de Tosca, “mulher corajosa”, que, “no repertório italiano, é uma heroína de charneira, uma mulher corajosa, que define a própria vida, mata o opressor e no fim prefere matar-se a cair nas mãos do inimigo”.
Apontando o “preconceito”, que sente existir, “das artes contemporâneas em relação à ópera”, vista como “aquela coisa com cem anos que não se consegue modernizar”, Catarina Molder voltou a frisar a intenção deste festival de “divulgar ópera em diversos formatos”.
É nesse âmbito que se insere a Gala Surpresa, que propõe uma forma diferente de construção: trata-se de uma gala de ópera que tem o formato dos discos pedidos da rádio, em que será o público a escolher, ‘online’, o seu alinhamento, a partir de uma lista de 'links' com as mais belas árias de personagens traídas e enganadas.
Este será o espetáculo de encerramento do festival, que integra ainda na sua programação um ciclo de cinema chamado “cine-ópera”.
Este ciclo apresentará algumas das mais icónicas versões cinematográficas de grandes óperas, com intérpretes que vão de Plácido Domingo a Gwyneth Jones, em filmes como “Tosca de Puccini”, realizado por Gianfranco di Bosio, “Cavalleria rusticana de Mascagni”, realizado por Franco Zeffirelli e, ainda, a assinalar os 250 anos do nascimento de Beethoven, e a sua única ópera, “Fidélio” , realizado por Ernst Wild.
Confessando que chegaram a dizer que era “louca” por arrancar em ano de grandes restrições, Catarina Molder considera que “as pessoas têm de continuar a proteger-se, mas também têm de continuar a viver”, pelo que o festival se irá realizar, cumprindo todas as normas de proteção e segurança determinadas pelas autoridades.
Quanto aos apoios para a realização do Operafest Lisboa, a diretora explicou que cerca de 65% é financiamento privado, que contou com o apoio da Direção-Geral das Artes para o lançamento da Opera XXI com uma parceria da Câmara Municipal de Lisboa, mas que grande parte do investimento é bilheteira.
“Mesmo assim, consegui um investimento mínimo, de 150 mil euros, só possível porque conheço muito bem o mercado nacional e internacional”, acrescentou.
Catarina Molder destacou ainda que aposta na valorização do trabalho jovem, razão por que mais de 50% dos colaboradores são jovens até aos 25 anos, que vão ser todos pagos. “Somos contra todo o tipo de voluntariado que é uma forma de exploração encoberta”, afirmou.
Comentários