Mais guitarras, mais rasgadelas, mais distorção e mais efeitos vocais só podem resultar em mais barulho. Porém, este é um dos casos que revoga a teoria que diz que o barulho é ruído ou confusão. Origins, novo álbum dos God is an Astronaut, foi esta quarta-feira apresentado no TMN ao Vivo, em Lisboa. Ao contrário do que é habitual nas actuações dos irlandeses, desta vez não houve direito a projecção. Também não foi isso que os impediu de proporcionar um abalo sísmico, de alta magnitude, durante hora e meia. Uma autêntica viagem ao espaço.
Até certo ponto, consegue perceber-se o porquê do cepticismo em torno de bandas de cariz instrumental. Ainda assim, ver God is an Astronaut ajuda a deslindar este mito. É verdade que não temos o mapeamento das letras, nem a sugestividade que a riqueza tímbrica impregna, mas a comunicação musical não se pode resumir a isso. A adaptação leva o seu tempo, no entanto, damos por nós a interpretar a mensagem veiculada nos riffs e nas dinâmicas da banda irlandesa. A gradação das intensidades rítmica e sonora incumbe-se de fazer o trabalho que é, por norma, encargo das letras. De repente, em combinações de acordes, começamos a ler palavras, frases, estórias.
À medida que nos mostravam Origins, iam revisitando os álbuns mais antigos, com especial insistência em All is Violent, All is Bright. "The Last March", "Calistoga", "Transmissions", "Exit Dreams" e "Reverse World", temas do novo disco, testemunharam acerca da magia infinita dos sintetizadores e dos vocoders. Melodia e voz são constantemente filtradas, obtendo-se um som profundamente ficcional. O experimentalismo é a pedra-de-toque de Origins. É possível serrar presunto e partir a loiça toda com classe e etiqueta. Esta sonoridade é um corpo em que cada membro ganha vida própria. Mesmo com os novos níveis de distorção, os trechos são limpos e perfeitamente detectáveis. Por essa razão, não há qualquer promiscuidade. Eis o post-rock mitigado (sem nunca deixar de o ser) dos God is an Astronaut.
O público delirou com temas como "All is Violent, All is Bright", "Fragile" e "From Dust to the Beyond", esta última propositadamente embrulhada e dedicada aos presentes. Apesar de raras vezes vermos as suas caras, cobertas pelos longos cabelos que esvoaçavam em harmonia, o quinteto irlandês não escondeu a sua identidade marcadamente compadecida e até espiritual. Contaram-nos, por exemplo, que "Forever Lost" havia sido escrita em 2003, em homenagem a um ente próximo que partira. A maioria dos temas tem a particularidade de sondar emoções, sensações e pensamentos. As semelhanças da estrutura musical de God is an Astronaut com a estrutura de um filme thriller não se perderam em Origins, apesar de mais diluídas. A frase «Isto está calminho demais para o meu gosto» é quase sempre seguida da «Devia era ter estado calado».
Perto do final, Torsten Kinsella (vocais e guitarra) puxou dos galões e gritou: «Queremos ver-vos enlouquecer!». Desde então, a plateia soltou-se. À boa maneira dos astronautas, os saltos constantes pareciam enunciar uma gravidade zero. Pediram-nos que posássemos para a foto e agradeceram em bom português. A noite terminou com "Route 666".
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