Música e direitos humanos. A segunda edição do Live Freedom, espetáculo da Amnistia Internacional, juntou ontem no palco do Tivoli BBVA, em Lisboa, Sérgio Godinho, Luisa Sobral, Batida e os também artistas Nuno Markl e Vasco Palmeirim.
Pelas letras, pelas lutas, por toda a bagagem ideológica e de intervenção de Sérgio Godinho, o seu concerto foi o que mais se aproximou do assunto que estava em cima da mesa. Em meia hora, trouxe-nos os dois temas mais fortes do álbum “Mútuo Consentimento” (2011), “Bomba Relógio” e “Acesso Bloqueado”, e fez questão de não deixar os créditos por mãos alheias, com “Espalhem a notícia”, “Liberdade”, ou a arrepiante “Primeiro dia”. Teve tempo ainda para interpretar “Os Vampiros” e rematar, em tom sereno mas bem forte, “Zeca Afonso devia estar aqui”.
Soube a pouco, claro. Sofreu com o que geralmente acontece neste tipo de eventos: precisamente no momento em que o concerto começa a aquecer, acaba. Já sabemos ao que vimos e que tem de ser assim, mas custa, ainda mais quando se trata de Sérgio Godinho e de travar todo o seu ímpeto, sem direito a prolongamentos.
Entre os concertos, foram apresentados vídeos de casos concretos em que a AI tem intervindo, neste caso através da Maratona de Cartas: promoção do envio massivo de cartas para autoridades de diversos países, em protesto contra ataques aos Direitos Humanos. Quebra o ritmo e a energia da sala, é verdade, mas é principalmente para a sensibilização que a iniciativa faz sentido.
Antes do set de Luísa Sobral, Vasco Palmeirim e Nuno Markl ensaiaram um brilhante medley com letras de Sérgio Godinho em músicas insólitas: ficam para registo futuro versos de “Com um brihozinho nos olhos” em “Wish you were here” de Pink Floyd e de, entre outros, “Elixir da Eterna Juventude” em “Blister in the Sun” de Violent Femmes. Markl, com um kazoo, sempre no papel do pateta, e Palmeirim a assumir as responsabilidades na voz e guitarra.
Luísa Sobral levou a voz doce de sempre, um vestido curto o suficiente para ter de pedir desculpa ao pai, alguma conversa, sete músicas e uma delas nova, de Natal. Fartou-se de conversar e ainda pôs algumas filas a cantar consigo. A temática dos Direitos Humanos não esteve diretamente presente, mas ninguém se pareceu importar. Não faltaram "Xico" e "The cherry on my cake".
Seguiu-se Batida, para uma revolução completa na sala. Por ser terça-feira, véspera de um dia que acorda cedo, o Tivoli foi resistindo com dificuldade ao passar do tempo, e perto da meia-noite já se notavam muitas famílias a sair. Perderam o espetáculo mais intenso da noite, com muito calor africano e os decibéis mais altos. Houve apitos na plateia, houve público no palco, houve muita dança, muitos saltos, e só não houve mais porque durante toda a noite a disposição não tinha sido trabalhada nesse sentido.
A iniciativa fica a pecar pelas longas pausas para troca de material no palco. Numa noite de semana, é chato se o pano cair muito para lá da meia-noite. Numa dessas pausas, Nuno Markl empatou-nos infinitamente a contar o quão desastrado é a conduzir o carro e sua vida – pode ter alguma piada, mas não trocamos isso por mais música e, no fundo, não é isso que esperamos de uma noite de celebração dos Direitos Humanos. Celebraram-se a liberdade e a diversidade: de opiniões, crenças, orientações sexuais, raças, estilos musicais. Vamos para casa a trautear canções do Sérgio Godinho e não vamos nada mal.
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