A vontade de abordar o tema, confessou o escritor à agência Lusa, surgiu durante as celebrações do 25.º aniversário da queda do Muro de Berlim. Afonso Cruz teve conhecimento de algumas histórias de separações forçadas, de reencontros clandestinos e de experiências de quem tivesse atravessado os dois lados.

“Ao falar com o meu pai, percebi que ele tinha feito algo semelhante, porque ele esteve a estudar fotografia, durante a Guerra Fria, em Colónia, e também passou por Berlim. Tem excelentes histórias, material muito romanesco”, partilhou.

“A minha ideia era juntar todas estas informações e fazer um livro”, acrescentou, sublinhando serem ainda necessárias várias conversas prévias com o pai antes de começar a sua residência literária de um mês.

A obra, o terceiro título da sua coleção “Geografias”, deverá contar também a história de um casal de namorados, separado no momento da divisão da cidade.

“É uma história romântica. Tem um lado muito bonito de um ato de amor, mas, ao mesmo tempo, é muito triste e dramática, que contém um lado muito cruel. Mistura as duas coisas. Por isso é muito mais interessante que uma história boa ou má, está numa zona cinzenta que nos coloca muitas questões, problemas éticos, e nos faz refletir”, destacou.

“Não é um romance no sentido tradicional, mas também não é autoficção, nem uma biografia, ou literatura de viagens. Será um híbrido entre uma série de géneros”, explicou à Lusa.

O autor de "Paz Traz Paz", "A Boneca de Kokoschka" e "Jesus Cristo Bebia Cerveja" sucede aos escritores Patrícia Portela, Rui Cardoso Martins, Isabela Figueiredo e Miguel Cardoso que, desde 2016, beneficiaram desta Residência Literária.

Afonso Cruz é escritor, ilustrador, cineasta e músico da banda The Soaked Lamb. Nasceu em 1971, na Figueira da Foz, e estudou na Escola António Arroio, em Lisboa, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira.

Desde 2008, publicou cerca de trinta livros, entre romances, peças de teatro, livros de não-ficção, livros infantojuvenis e uma enciclopédia ficcional, "Enciclopédia da Estória Universal".

Apesar de estar traduzido em mais de 20 línguas, “ainda falta o alemão”, contou à Lusa.

“A Alemanha seria um país no qual eu gostaria muito de ver os meus livros publicados e traduzidos e, curiosamente, isso ainda não aconteceu”, destacou o escritor que já por diversas vezes visitou o país, marcando presença na Feira do Livro de Leipzig e em várias universidades.

Durante a residência literária em Berlim, Afonso Cruz vai aproveitar para recolher testemunhos e fotografar, “uma ótima maneira de terminar o ano”, depois de vários meses em confinamento, confessou.

“Foi um ano em que tive quase todas as iniciativas canceladas, o que é normal. Permitiu-me ter um ano mais tranquilo. Desde que começou o confinamento saí apenas duas vezes para ir a Lisboa”, admitiu à Lusa.

Iniciada em 2016, a Bolsa de Residência Literária em Berlim, com a duração habitual de um mês, enquadra-se no programa de divulgação internacional estruturado pela Embaixada de Portugal e do Camões - Centro Cultural Português em Berlim, na área do livro, no âmbito do Plano Anual de Ação Cultural Externa, coordenado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e o Ministério da Cultura.

É uma das iniciativas criadas no âmbito do projeto "Portugal País convidado da Feira do Livro de Leipzig 2021".