Hugo van der Ding é um dos convidados da edição de 2023 da Mostra de Artes da Palavra (MAP). O evento com direção artística de Alexandre Cortez, e que se apresenta como " a maior celebração da palavra em Portugal, nos vários cruzamentos interdisciplinares", arranca esta quinta-feira, dia 21 de setembro, e vai decorrer em 12 espaços distintos do concelho de Oeiras.
Repetente na MAP, o escritor, cartoonista e apresentador de rádio sublinha, em conversa com o SAPO Mag, que o evento é " fundamental e importante": "Para já, porque vivemos num mundo muito acelerado, de coisas muito imediatas e de redes sociais, de TikToks e de ecrãs. Portanto, é sempre bom as pessoas tirarem um bocadinho do seu dia e irem ver pessoas em carne e osso conversar. E depois, ser sobre livros em particular, interessa-me. E sobre a palavra porque é uma das coisas que eu faço, mesmo quando não estou a fazer outras, é ler. Leio todos os dias alguma coisa".
Esta quinta-feira, às 21h30, na Biblioteca de Algés, em Oeiras, Hugo van der Ding vai conversar com a cantora Márcia. "O ponto de partida é o livro que a Márcia escreveu, 'As Estradas São Para Ir", que já tem dois anos. A Márcia escreveu durante a pandemia com pensamentos, ideias, desabafos", resume. "Já toda a gente está farta de falar da pandemia, mas começar a fazer também o rescaldo daquilo que nós achámos que já passou e se calhar não passou. E acho que é isso. E depois vou dar umas sugestões de livros também, se me apetecer", adianta.
Desmontar palavras
A palavra é o centro do trabalho (e não só) de Hugo van der Ding. E tudo começou ainda em criança. "Desmontar palavras e procurar os sentidos escondidos atrás das palavras, desmontar a língua, é uma coisa que me diverte muito. Não sei dizer como é que descobri, porque acho que sempre fui assim desde criança. Ou seja, ouvia os adultos falar, ou as pessoas, ou o que seja, e não conseguia parar de ver o segundo sentido das coisas. E às vezes até com resultados dramáticos... porque ficas muito insubordinado, cada vez que alguém está a tentar falar, estás sempre a rir e a desmontar o que está a dizer", recorda.
Para o autor da rubrica "Vamos Todos Morrer", da Antena 3, "desmontar a linguagem das pessoas é incrível". "Linguagem é uma coisa que inventámos para comunicarmos uns com os outros, é só isso. É só isso, não; é imenso. Evolutivamente criámos a linguagem e, portanto, está cheia de códigos e armadilhas e ajuda-me a descomplicar o mundo", confessa.
"No presente, parece-nos sempre que estamos sempre a viver o momento mais negro da história e não estamos. Mas é ótimo desmontar a palavra - poder desmontar a palavra e o discurso - de um tipo de discurso e de palavra carregados de incompreensão, de zanga e de ódio até", sublinha.
Além da rádio, dos livros e do teatro, as 'tiras' que cria para as redes sociais são acompanhadas por milhares de seguidores. D'A Criada Malcriada à psicanalista Juliana Saavedra, os desenhos arrancam gargalhadas aos fãs e somam centenas de partilhas no Instagram.
Hugo van der Ding confessa que recebe "muitos relatos" que o deixam "muito contente". "Com os desenhos e com as tiras, contaminei muitas pessoas ou fui buscar ao fundo delas esta coisa que nós adoramos fazer que é ver os sentidos escondidos das palavras ou os segundos sentidos", revela. "Acho incrível esta comunidade de pessoas que desmontam a língua", acrescenta.
"As tiras são o meu passatempo preferido"
"As tiras são o meu passatempo preferido, são exatamente isso. É uma pergunta incrível, acho que nunca ninguém percebeu porque é que as tiras são o meu passatempo. Tudo o resto são coisas que eu adoro fazer, mas que são trabalho porque envolvem a responsabilidade de trabalhar com outras pessoas, envolvem horários, envolvem respeito pelo trabalho de outras pessoas que interagem com o meu e são coisas que eu levo muito a sério. Os desenhos é um prazer só fazer", confessa.
Todos os dias, o escritor, cartoonista e apresentador de rádio faz desenhos, sempre como uma forma de passar o tempo: "Faço muitos, faço todos os dias. Lembro-me de coisas e desenho. É um prazer enorme, é só o meu passatempo, nunca será uma profissão. Se dissessem: 'agora só fazes desenhos e pagamos não sei o quê e tens de estar aqui no escritório a fazer desenhos'. Matava-me completamente o prazer de fazer os desenhos".
"E através dos desenhos, criou-se também aí uma comunidade de muitas pessoas que me seguem e cada vez que as encontro, ou porque vou fazer teatro, ou porque vou à apresentação de um livro, percebo que construímos uma coisa juntos. As personagens que eu uso, que são frequentes, como a Juliana Saavedra ou outras, que já existem na vida de outras pessoas. E conseguir ter essa comunicação à distância é incrível", frisa ao SAPO Mag.
Para Hugo van der Ding, as suas páginas são quase como "oásis no meio de tanto lixo que se vê nas redes sociais". "Um oásis onde só muito raramente é que se lê mensagens agressivas, as pessoas a implicarem umas com as outras. Geralmente, é um sítio incrível para mim e acho que também é para muitas pessoas que de manhã vão ver aquilo, riem um bocadinho e não se vão lá chatear a ler que não sei o quê, que a avó das pessoas é p*** - é isso que as pessoas vão dizer nas redes sociais", remata.
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