Em nenhum momento D.H. Lawrence afirma que há uma relação lésbica entre Jill Banford e Nellie March, duas mulheres que vão morar juntas numa quinta.
Mas dentro da escrita “ardilosa” do grande autor britânico, meia palavra basta, especialmente quando apresenta Nellie da seguinte forma: “Faria o papel de homem daquela casa. (...) Quando andava lá por fora, de um lado para o outro, de polainas e calções (...) dir-se-ia antes um jovem gracioso. Mas, ao mesmo tempo, o seu rosto era muito feminino”.
No entanto, seja por que razão for que as mulheres quiseram construir esse refúgio, este não anda muito bem: perambula por lá um insaciável “raposo” que lhes leva as galinhas – e de forma tão arisca e calculada que não há vigília que consiga apanhar o ser que parece quase uma “entidade”.
Quando, finalmente e por pura casualidade, March fica frente-a-frente ao animal, o desfecho não é o esperado e ficar imobilizada sem conseguir atirar parece apenas um mau presságio dos problemas – os quais vão aumentar consideravelmente quando um “raposo em pessoa” entra pela casa (e pela relação delas) adentro. Trata-se do neto do antigo dono, Henry, que andou na guerra e não sabia que a casa tinha sido vendida. O erro que elas cometem é fatal: convidam o homem para pernoitar.
A descrição é esta: “... o rapaz sentado diante do fogo (...) exalava um odor indeterminado (..) indefinível, mas que fazia lembrar o de um animal selvagem. March não mais tentou escapar-lhe. Estava quieta e suavemente sossegada no seu canto como um animal passivo no fundo da toca”.
Lawrence tem a partir daí, utilizando a ambiguidade mas também a força de Nellie, a desenvoltura dele e a guerra aberta com Jill, farto material para subtilmente falar de um dos seus temas, a sexualidade, que por vezes surge de maneira irónica – mas cuja história também não deixa de assumir contornos de tragédia.
Para essa narrativa, cuja versão final foi publicada em 1922, chama atenção a atualidade com que o autor britânico trabalha com as dinâmicas de género.
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