“E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill”, publicado esta semana pela Tinta-da-China, reúne um conjunto de textos críticos dedicados ao poeta surrealista e à sua obra, da autoria de poetas, críticos literários e especialistas.
Mesmo sabendo da aversão de Alexandre O’Neill à crítica literária – não gostava que exegetas e explicadores se interpusessem entre as obras e os leitores das obras –, este livro de ensaios homenageia o autor, respondendo assim, sem ironia, ao título de uma crónica que escreveu e publicou, em 1973, no jornal A Capital, intitulada “E a minha festa de homenagem?”
Essa crónica – reproduzida, no livro, em fac-símile –, foi publicada no mesmo dia em que Eusébio se despediu do Benfica e foi homenageado em campo, ao lado de uma foto do jogador.
Nesta crónica, O’Neill reivindica a celebração das suas bodas de prata – aludindo aos quase 25 anos da publicação do seu primeiro livro - e pede sarcasticamente que a efeméride seja assinalada com pompa e circunstância.
Mas a verdade é que, apesar de ter sido sempre um pouco descrente em relação à importância da sua produção literária, Alexandre O’Neill foi “um grande poeta do século XX, com a singularidade de não parecer consciente dessa grandeza”, escreve Joana Meirim, responsável pela organização do livro, na introdução da obra.
O’Neill nunca se preocupou com uma “carreira literária”, porque nunca acreditou na perdurabilidade da obra sobre o Homem, preocupando-se mais com a possibilidade de ser apreciado em vida do que com a celebridade póstuma.
São vários os exemplos desta sua atitude desconfiada face à fama póstuma, um deles é um epitáfio que criou aos 30 anos e que só revelou numa das últimas entrevistas, na qual confessou que não gostaria que lhe caíssem em cima, nem que dissessem nada sobre ele: “Aqui jaz Alexandre O’Neill/Um homem que dormiu/muito pouco/Bem merecia isto”.
Para O’Neill, mortalidade humana e poética são uma e a mesma coisa, e, numa entrevista concedida ao jornal “A Tarde”, em 1984, próximo já do ano da sua morte, ironizou a capacidade de a sua poesia chegar à viragem do século: “a minha poesia é de curto alcance”.
Na sua opinião, as reflexões sobre a prosperidade são “exercícios de auto-apoucamento”, “manifestações melancólicas do medo de desaparecer sem deixar alguma coisa de bom, e também uma reação ao excesso de pomposidade e vaidade do meio literário português”, assinala Joana Meirim.
Exemplo paradigmático é a história da receção do único prémio literário que recebeu em vida, em 1982 (ex aequo com Mário Dionísio), a propósito do qual escreveu um texto a deflacionar a distinção recebida: “Não tenho ilusões quanto à perdurabilidade do que fiz. Um relance pela literatura do passado é sempre um salutar exercício de modéstia. Termino com um poema que ilustra bem o que acabo de dizer”.
Esse poema era – explica Joana Meirim – “A um poeta que deixou de comparecer nas antologias”, um poema melancólico, apesar do tom jocoso, que fala do destino de muitos poetas e de muita poesia: um dia deixarão de ser citados e um dia serão mesmo esquecidos.
Mas esse dia ainda não chegou para Alexandre O’Neill e prova disso são os textos reunidos neste livro, que “ensaiam propostas de leitura sobre várias vertentes da obra de um dos maiores poetas portugueses de sempre: da poesia às crónicas, da publicidade aos divertimentos com sinais ortográficos, do cherne ao teatro, da tradução à sátira, do Surrealismo às influências literárias”, acrescenta.
O primeiro ensaio, de Fernando Martinho, contribui para entender o lugar de O’Neill na história da literatura portuguesa, ao passo que, no ensaio “Do medo em Drummond, Alexandre O’Neill e Manuel Alegre”, Clara Rocha escrutina as afinidades entre poemas onde a palavra “medo” é recorrente.
Fernando Cabral Martins faz uma leitura de O’Neill como poeta que se inscreve na tradição surrealista europeia, e Carlos Nogueira problematiza a recusa do autor em considerar-se satírico, num ensaio intitulado “Alexandre O’Neill, poeta satírico?”.
A questão da crítica social, uma das facetas da sátira em Alexandre O’Neill, está presente no ensaio de Graça Videira, enquanto Miguel-Pedro Quadrio examina o lugar de O’Neill na história do teatro português.
Em “Animais modestos”, de Joana Meirim, discute-se o tópico da modéstia como elemento singular do projeto poético de O’Neill, ao passo que Burghard Baltrusch reflete sobre arte e política em Alexandre O’Neill.
Alexandra Lopes debruça-se sobre a tradução em O’Neill, Miguel Tamen, sobre a publicidade e Gustavo Rubim sobre as noções de “violência” e de “signos”.
Nuno Amado mostra como o modo de fazer poesia, para Alexandre O’Neill, passa frequentemente por gorar as suas expectativas e as do leitor, e Sebastião Belfort Cerqueira revisita um dos mais célebres poemas do autor – “Sigamos o cherne” –, que ficou ainda mais conhecido nas eleições legislativas de 2002.
O ensaio de Sara Lacerda Campino estuda pormenorizadamente a vertente experimental na obra de O’Neill, e, a terminar o livro, Ramiro S. Osório apresenta um conjunto de poemas “que poderiam ser apócrifos de O’Neill”.
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