Chamem tudo ao homem, mas, por amor da santa, não digam que ele é "um cantor". JP Simões é o inventor da expressão "homem dos sete ofícios". É pôr-se-lhe um microfone na mão e deixar que faça o resto. Foi o que fizemos ontem à noite, no Cinema São Jorge. Sem remorsos. Não é nenhum Woody Allen, mas trouxe-nos “Roma”, o seu novo álbum, com muito amor.
A Banda Radioativa foi aparecendo às migalhas. Depois de um prelúdio inusitado e chorudo, JP Simões e Luanda Cozetti chegaram de braços entrelaçados. "O português voador" (não o português suave, do qual JP Simões tanta falta sentiu) arrancou os primeiros aplausos. Logo a seguir, da primeira vez que abriu a boca sem ser para cantar, JP Simões efabulou acerca do liberalismo económico e da iniciativa privada («Toda a gente aqui vai ter uma empresa de sucesso no futuro»), introduzindo-nos ao tema "Rio-me de Janeiro", um autêntico desfile carnavalesco.
Se intitulá-lo de cantor é menosprezar a sua versatilidade, dar o nome de concerto àquilo que protagoniza é, perigosamente, redutor. Mestre do stand-up, exímio na arte da sátira, doutor na ciência do multilinguismo, rodado nos saberes teatrais e dono de um vozeirão raro, Simões toureia-nos, no bom sentido, de início ao fim. Qualquer um fica abananado com os constantes abre-olhos que vocifera do palco. Mais atordoador que isso, é nunca percebermos se a linha de pensamento que segue foi cabulada ou se lhe saiu da cartola naquele instante.
Sacos de boxe havia-os às resmas. Ora o capitalismo, ora a publicidade, ora a corrupção, ora a demagogia: todos, de uma forma ou de outra, sentiram a inexorabilidade dos punhos de JP Simões. Para todas essas calamidades, Simões parece não encontrar outra saída se não o gosto em se “drogar e beber como um louco”. O propósito da sua irreverência também não é a busca de soluções, mas sim a aversão, a blasfémia e a renegação dos podres que apresenta. Como se as palavras não fossem o bastante, em “Gosto de Me Drogar”, pantomimou de forma esclarecedora.
“Roma” é uma salada-russa. E foi graças à sua orquestra extraordinária que JP Simões, sempre bem acompanhado pela voz açucarada de Luanda Cozetti, conseguiu transmitir essa mescla estilística. O jazz, com o toque samba, funk e afrobeat, aliado à variedade idiomática das composições (português do Brasil, “anglo-sexónico”, italiano espanholado e francês), encarrila-nos para uma quietude diferente do comum, semi-dançável, semi-qualquer coisa, mas nada taxativa. “Valsa Rancho”, de Chico Buarque, foi um dos últimos embalos da noite. Ainda viraram costas para sair, mas o público estava determinado e conseguiu que regressassem. Uma lufada de ar fresco.
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