Foi preciso chegar ao segundo dia do Super Bock Super Rock para nos depararmos com um mar de gente no festival lisboeta. Caminhos entre palcos intransitáveis, plateia do palco principal sem condições mínimas de respiração, tudo num dia em que se deu primazia ao hip-hop, em que Anderson .Paak e Travis Scott foram as estrelas que mais brilharam no Parque das Nações.
Com um início de concerto atribulado, Profjam não se deixou abalar com as duas quebras de som logo à primeira canção. Num imprevisto que fez questionar se não há duas sem três, foram os fãs que fizeram com que à terceira fosse mesmo de vez e puxaram pelo artista, que se apresentou acompanhado do seu fiel amigo, Mike el Nite.
Há dois anos era Profjam a acompanhá-lo aqui mesmo no Super Bock, esta sexta-feira os papéis inverteram-se. Uma atuação ainda à boleia de "Mixtapes", lançado em 2016, enquanto se começa a adivinhar novo álbum a sair, já que os singles são mais que muitos. "Yabba", "Gwapo" e até o fresquinho "Água de Coco" (estreado no Super Bock Super Rock) fazem do artista lisboeta um dos felizes contemplados com um ano de sonho no mundo do hip-hop nacional.
Não é preciso mudar de palco para sentir que o tom da noite será hip-hop e pouco mais. Oddisee, acompanhado pela sua banda Good Compny, mete-nos essa ideia na cabeça. Após a entrada em palco com o instrumental "After Thoughts", recebemos uma epopeia em torno de "The Iceberg" e a sua voz soul. Com Oliver St. Lewis, que tinha feito o primeiro concerto do dia, na formação, constatamos que é a banda norte-americana a grande força motriz do concerto.
Porque não é só de hip-hop vive o segundo dia do festival, seguimos para o palco LG, que como no ano passado é exclusivamente dedicado a artistas nacionais. E ontem teve a curiosidade de contar com Luís Severo. O "Cara D’Anjo2 não se poupou a esforços e trouxe também a sua banda para apresentar o álbum homónimo, editado no ano passado. Com um grupo bem composto de espectadores a assistir (porém, longe de estar lotado como noutros míticos concertos que já se realizaram ali), fomos embalados numa festa privada com "Planície", "Escola" ou "Meu Amor".
Enquanto isso, no palco secundário, a norte-americana Princess Nokia vinha com credenciais que prometiam vincar um concerto especial, perfeito para aquecer para Anderson .Paak. Mas não foi bem isso que aconteceu, com uma artista desligada do público, do palco, de todos. A disparar em todos os sentidos, a querer mostrar que tem uma voz ímpar, a verdade é que não se viu nada de disso, num concerto que nem deu para colaborar muito com o DJ.
A alma ficou mais confortável com os primeiros “yes lawds” que se ouviram no palco principal. Às 22h00 em ponto, a respeitar o horário, é hora da missa de Anderson .Paak e The Free Nationals. “Lisboa, estás melhor do que no ano passado”, disse o multifacetado norte-americano a meio da noite. Talvez porque este ano quem estava na plateia queria mesmo vê-o, ao contrário do que aconteceu em 2017, em que fez a primeira parte do concerto de Bruno Mars.
Aqui o dia é dele. O seu momento e da sua banda. É de "Come Down" que vêm os primeiros acordes e a festa parece não ter fim. Uma hora que faz parar no tempo e contemplemos um performer que, sempre a sorrir, não tem mãos a medir com a intensidade com que se depara. Com espaço até para recordar Kaytranada através de "Glowed Up". "Bubblin’", canção lançada recentemente e que deverá constar donovo álbum, que sai este ano, também fez abanar o esqueleto de qualquer um - excepto o do segurança que não quis dançar com ele, um pecado para o comum dos mortais fãs.
Apresentar os The Free Nationals é mais do que um mero exercício de palavras, também é ir à biblioteca sonora e ficarmos com o prazer auditivo ressarcido, com o Herbie Hancock e o seu "Cantaloop", "Migos in Paris", ou então "Pony", de Ginuwine. E ouvir o Anderson Paak é ouvir um exercício de versatilidade rítmica. "Life Weight" ou "Room in Here", com outros arranjos, mostram uma nova personalidade que faz levitar qualquer um. Nem é saltar, é levitar.
A despedida entre muitos sorrisos, e ao som de "Luh You", faz com que Lisboa tenha ganho um novo amor e fez com certeza o concerto da noite. E provavelmente do festival.
De um festival para um campo de batalha. Foi nisso que o Palco Principal se transformou com Travis Scott. A fazer lembrar o concerto de Future no ano passado, mas com muito mais espectadores, vimos um concerto que comprova uma tendência de que se tem falado muito e alimentado discussões. O hip-hop ultrapassou o rock. Com uma legião de fãs única (não deve haver um género que mobilize neste momento tantas pessoas), vemos a loucura a acontecer na plateia da Altice Arena.
É com labaredas, é com ambiente infernal que se vive Travis Scott. Falar do som é sempre uma tarefa impossível no que toca ao recinto, a menos que se fique no triângulo das Bermudas entre a mesa de som e o palco. Porém, o auto-tune e a quantidade de palavras engolidas por minuto não deixam margem de manobra para ninguém. No espaço de uma hora são varridos temas de "Birds in The Trap Sing McKnight", com "The Ends", "Through the Late Night" ou na fase final, "Goosebumps", muito aguardado e ouvido várias vezes pelo recinto durante o dia. Ainda houe espaço para temas do mais recente disco "Huncho Jack, Jack Huncho", feito em colaboração com Huncho Jack e Quavo dos Migos. Mesmo assim, torna-se quase ensurdecedor assistir a um concerto destes moldes, que levou ao gáudio quem esteve nas primeiros filas.
Saímos arrebatados por tamanho espetáculo e a refletir se este é o caminho que o festival vai continuar a ter nos próximos anos. Mas o último dia deverá abrandar com a presença de Benjamin Clementine, Isaura ou Julian Casablancas & The Voidz.
Texto: Carlos Sousa Vieira/ Fotos: Pedro B. Maia
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