Num comunicado divulgado na quinta-feira, no qual começa por anunciar que o espetáculo “Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas”, agendado para 31 de maio no Teatro Constantino Nery foi cancelado, a equipa do Teatro do Vestido refere que “história e razões em torno deste cancelamento merecem reflexão e denúncia”.

O espetáculo, com investigação, texto, direção e interpretação de Joana Craveiro, estreou-se em 2014, no âmbito da sua tese de doutoramento, e regressou este ano a palco, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974.

O Teatro do Vestido acusa o Teatro Municipal Constantino Nery e a Câmara Municipal de Matosinhos, que gere o equipamento, de um comportamento “grave”, além de “violar princípios éticos que devem reger a criação, produção e programação artísticas”.

“Recusar o diálogo com uma companhia com quem se tinha assumido um compromisso anterior (firmado em cartas de compromisso, e-mails e outras comunicações das quais temos prova), recusar pagar despesas que são da sua responsabilidade e que garantem a execução de um projeto, decidir unilateralmente cancelar um espetáculo e não informar sequer a companhia de teatro sobre esta decisão, enviando ao invés lacónicas mensagens aos espectadores (‘por motivos alheios’), são formas de atuação que merecem o nosso veemente repúdio e denúncia”, salienta a companhia.

No comunicado, o Teatro do Vestido faz um filme dos acontecimentos, começando por referir que a apresentação no Teatro Municipal de Matosinhos estava inscrita no plano de atividades da companhia, submetido à Direção-Geral das Artes em junho de 2022.

Além disso, constava da programação do Constantino Nery com a qual aquele teatro se candidatou a um apoio no âmbito da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP), na qual está integrado. O Teatro Municipal de Matosinhos foi um dos equipamentos a quem foi atribuído apoio à programação no âmbito da RTCP.

O Teatro do Vestido relata que, até há duas semanas, o espetáculo “constava da programação da Câmara Municipal de Matosinhos, integrada nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril”.

A apresentação em Matosinhos faz parte de uma digressão, com datas também em Coimbra e Santarém, “preparada com meses de antecedência, obrigando à recusa de outras propostas e ao firmar de compromissos para a realização logística do projeto”, que, “pela sua duração, questões de cenário e necessidades técnicas, é extremamente complexo do ponto de vista do transporte de materiais e da sua montagem técnica”.

A companhia de teatro denuncia que a Câmara Municipal de Matosinhos, que gere o Constantino Nery, “começou, desde há duas semanas, a disputar os valores acordados para a apresentação deste trabalho, nomeadamente, recusando custear a totalidade das despesas de deslocação e estadia da equipa, que são da responsabilidade da entidade de acolhimento” do espetáculo.

“Face à pressão e recusa em pagar estas despesas, o Teatro do Vestido chegou a propor, em desespero de causa, a realização de um 'crowdfunding' para custear essas despesas que o teatro se recusava a assumir. O Teatro Constantino Nery e a Câmara Municipal de Matosinhos nunca responderam a esta proposta, tendo, ao invés, começado a enviar mensagens diretas desde o dia 10 de maio aos espetadores a informar sobre o cancelamento do espetáculo”, relata.

Embora as mensagens tenham começado a ser enviadas em 10 de maio, a companhia só foi “notificada oficialmente hoje” do cancelamento.

De acordo com o Teatro do Vestido, na mensagem enviada aos detentores de bilhete para o espetáculo a anunciar o seu cancelamento, “constava a frase: ‘Por razões alheias ao Teatro Constantino Nery’”.

A companhia acusa a autarquia de, com esta frase, se desresponsabilizar de uma situação “à qual são tudo menos alheios”.

O Teatro do Vestido recorda que as estruturas apoiadas pela DGArtes “estão obrigadas à execução do plano de trabalhos aprovado em sede de candidatura, secundada pela submissão de relatórios anuais e comunicação à tutela de quaisquer alterações ao plano de atividades acordado, bem como as razões de força maior para tal”.

“Neste sentido, informámos de imediato a nossa tutela (que também tutela o referido teatro, integrado na RTCP) sobre esta situação”, refere.

Apesar do cancelamento do espetáculo em Matosinhos, a companhia garante que irá cumprir “os compromissos financeiros assumidos para com a sua equipa, porque naturalmente a vida destes profissionais não pode estar dependente dos humores e decisões arbitrárias de estruturas de programação e câmaras municipais”.

No comunicado, o Teatro do Vestido apela ao diretor-geral das Artes, Américo Rodrigues, “para que aja em conformidade” e à comunidade artística “para que não deixe de tornar público este tipo de atuação”.

A Lusa tentou contactar o Teatro Municipal Constantino Nery e a Câmara Municipal de Matosinhos, mas até ao momento tal não foi possível.

A digressão de “Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas” é retomada a 23 de junho, em Santarém, no Teatro Sá da Bandeira.

Com este espetáculo, “o Teatro do Vestido continua a interpelar o século XX português através de um conjunto de memórias pequenas e esquecidas, questionando a forma de transmitir esta memória e a sua inscrição e não-inscrição no espaço público.”