Ainda que milhões já tenham passado pelos parques temáticos da Disney em todo o mundo, a maioria poderá nunca ter ouvido falar conceito de Imagineer. A palavra é criada pela Disney para designar os criadores de tudo o que está nos seus parques temáticos, da idealização à construção das várias atrações. Desde há 65 anos que faz parte do seu trabalho estar nos bastidores mas, agora, são eles os protagonistas da nova série documental do Disney+, "A História da Imagineering", que mostra o lado secreto que a Disney habitualmente não revela para não prejudicar a "magia" de se visitar um dos seus parques.
Da criação da Disneyland original em Anaheim, na Califórnia, passando pela da Disneyland Paris, até à dos parques mais recentes, como o de Xangai, a série percorre os altos e baixos destas tarefas gigantescas e dá voz aos seus protagonistas. Muitos trabalharam diretamente com Walt Disney e mostram que o seu legado ainda está bem presente.
A realizadora da série também cresceu nos bastidores dos parques e dos estúdios Disney. Leslie Iwerks é neta do histórico animador da Disney Ub Iwerks, co-criador do Rato Mickey, e filha de Don Iwerks, um incontornável técnico da Disney responsável por muitas inovações nas técnicas do estúdio e técnico no filme "20.000 Léguas Submarinas".
Leslie é produtora, realizadora e argumentista e fez carreira com vários documentários, entre eles a curta nomeada ao Óscar "Recycled Life" e o documentário sobre a Pixar "The Pixar Story". Agora, voltou aos bastidores dos parques e estúdios por onde andou em criança em "A História da Imagineering". Estivemos à conversa com ela via Zoom sobre como foi revelar a magia por detrás da magia, um lado a que raramente a Disney dá acesso e permite que se torne público.
SAPO Mag (S.M.): A maioria das pessoas poderá não estar familiarizada com o conceito de Imagineers, mas eles desempenham um papel fundamental nos parques temáticos da Disney...
Leslie Iwerks (L.I.): Os Imagineers são as pessoas que, desde há 65 anos, têm construído os parques Disney em todo o mundo e são um grupo de pessoas que abrange uma grande variedade de disciplinas da engenharia à arte, escrita de histórias ou produção. Acho que este documentário nos dá uma visão interna desse grupo único que muitas pessoas não conheciam.
S.M.: Ao fazer um projeto destes, suponho que tenha tido de negociar algumas coisas em relação a quanto dos bastidores da magia dos parques revelaria. Foi traçado um limite em relação às coisas que não queria revelar ao público porque isso prejudicaria a sua experiência nos parques temáticos?
L.I.: Acho que foi uma experiência colaborativa entre nós. Eu trabalhei com os líderes da equipa de Imagineering para perceber o que faria mais sentido mostrar e não mostrar, separar o que retiraria a magia para algumas pessoas do que seria interessante de ver para outras. Acho que foi um trabalho de equipa muito bom de nossa parte para descobrir exatamente o quanto iríamos ou não mostrar.
S.M.: A Leslie é a neta do Ub Iwerks, que é uma figura seminal na história da Disney. O Walt Disney sempre soube que o Ub era um génio do ponto de vista técnico. Acha que alguma parte disso pode ter passado para si, já que os documentários que dirigiu sobre a indústria do cinema eram voltados para a tecnologia?
L.I.: Eu cresci num mundo de bastidores com o meu pai, a trabalhar na oficina, no estúdio sempre a criar coisas que acabariam por ser melhorias únicas para a empresa, seja o sistema de projeção, os sistemas de câmara ou tecnologia de luz. Foi uma forma incrível de crescer. E também o tempo que passei nos bastidores do estúdio, no 'backlot'... Todas essas impressões ajudaram a moldar o que eu queria fazer à medida que crescia. Sempre tive uma grande curiosidade pelas coisas.
Eu era uma leitora ávida desde tenra idade e adorava ler e aprender sobre as coisas e acho que essa combinação de curiosidade sobre o cinema e de ter algum jeito para contar uma história evoluiu também para a curiosidade de como as coisas são feitas e para querer levar os espectadores a lugares a que eles normalmente não poderiam ir. Acho que esses são os temas que passaram pelos meus filmes. Eu gosto de histórias criativas mas também de histórias de desfavorecidos, de como a superação de desafios levou ao sucesso e comecei a escrever sobre todos esses temas.
S.M.: Uma das coisas incríveis na série é que, 55 anos após a morte de Walt Disney, algumas das pessoas que trabalharam com ele, como Rolly Crump ou Bob Gurr, quase choram a recordar o momento em que ele morreu. Por que é que acha que isso ainda acontece e quanto do legado dele ainda existe tantos anos depois?
L.I.: Eles conheciam-no muito bem e ele foi uma força tão poderosa nas suas vidas. Ele viu neles o que eles não viram em si mesmos, trouxe ao de cima o talento deles, moldou-os e ajudou a guiá-los para algo novo. E eu acho que eles valorizaram muito isso. Depois de ele ter morrido, quando eles olharam para trás, perceberam o quanto ele viu neles e a honra que isso foi. E também o facto de que eles podiam não saber bem o que estavam a fazer, mas ele deu-lhes a oportunidade para o descobrir. Isso ainda pode acontecer hoje, obviamente, mas acho que naquela época, a vida era talvez mais pura do que hoje. Pelo menos ele era uma espécie de alma pura.
Também é uma espécie de marca de tempo, em que eles olham para trás e percebem que os tempos mudaram. Mas aquele foi um momento precioso, precioso no tempo em que se fez parte dele. É emotivo para eles e foi como se eles conseguissem reviver isso um pouco.
S.M.: As pessoas podem ter a imagem de que a Disney é muito controladora da sua própria imagem, mas esta série documental parece mostrar os pontos positivos e negativos da empresa e do Imagineering ao longo das décadas. Foi preciso negociar de alguma forma, algum aspecto desta série?
L.I.: Acho que ao longo de todos os seis episódios houve coisas sobre as quais tivemos de conversar e explicar porque estávamos a ser tão diretos e acho que o Disney+ e o Imagineering realmente entenderam isso. Desde a ideia original do Marty Sklar, de eu fazer a série, até ao Bob Weis, o presidente seguinte que entrou para a supervisionar. Ele tinha experiência em documentários e apreciou verdadeiramente o facto de isto precisar de ser contado de forma honesta e ele inspirou-me a ter um olhar honesto sobre o que aconteceu sem ser desrespeitoso.
Houve certos momentos que talvez a empresa não quisesse reviver, como os protestos no Animal Kingdom, mas a realidade é que se não fizéssemos isso, se não houvesse conflito e não se superassem essas dificuldades saindo por cima, não teríamos uma história. O que se podia ler na Wikipédia era o meu barómetro. Eu pensava ‘se podemos ler isto na Wikipédia, porquê não usar’?. Na verdade, faz com que os Imagineers pareçam muito heróicos no sentido de que eles foram capazes de superar muitas coisas, culturais ou financeiras.
S.M.: A Leslie tem um parque temático Disney favorito?
L.I.: É difícil para mim escolher outro que não a Disneyland Original (em Anaheim, na Califórnia). Foi aquele em que eu cresci a ir, aquele que está perto de mim, aquele em que a minha família esteve mais envolvida. Também adoro o Epcot (no Walt Disney World, em Orlando). Adoro a exposição mundial nesse parque. Mas também gosto do de Xangai por todas as suas atrações modernas e por ser o que tem as experiências mais imersivas até hoje.
Veja o trailer da série:
"A História da Imagineering" está disponível no Disney+ a partir do seu lançamento em Portugal, esta terça-feira.
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