Logo aos primeiros minutos, no discurso de abertura, Andy Samberg notou que a lista de nomeados da 67ª edição dos Emmys, entregues na madrugada desta segunda-feira em Los Angeles, era a mais diversificada de sempre. E algumas horas depois, a distribuição de estatuetas provou que, desta vez, essa ideia se manteve num jogo que não estava decidido à partida, ao contrário de outras edições - e nem é preciso recuar muitos anos.

"A Guerra dos Tronos" que o diga. Não por ter estado de fora das nomeações em cerimónias anteriores, mas por ter chegado, em 2015, ao pico de uma ascensão tímida, mas gradual, junto do reconhecimento dos prémios televisivos. Peter Dinklage, um dos vencedores da noite (Melhor Ator Secundário numa Série Dramática), já tinha levado para casa uma estatueta em 2011, mas essa havia sido a única distinção da série da HBO dentro da corrida principal - de resto, só era assunto no departamento mais técnico (e mais secundário).

Este ano, contudo, a saga de Westeros concorria com 24 nomeações e saiu vencedora em 12, com a de Melhor Série Dramática à cabeça - e triunfos nas áreas de escrita e realização entre os de maior relevo. Além de um dos Emmys mais cobiçados, conseguiu ainda chegar ao recorde de série com mais vitórias num só ano - que até aqui pertencia a "The West Wing" -, o que é especialmente invulgar por se tratar de uma proposta de fantasia, género (ainda) encarado com desconfiança pela Academia de Artes & Ciências Televisivas.

Com "Breaking Bad" agora fora da corrida, "Mad Men" era tida como a oponente mais séria das aventuras criadas por George R.R. Martin. Até porque a história de Don Draper chegou ao fim, na sétima temporada, ocasião que poderia justificar um reforço de atenções na hora de escolher vencedores. Ainda assim, a série do AMC não se saiu mal na despedida, sobretudo pela vitória de Jon Hamm, que à 16ª nomeação (e oitava consecutiva como protagonista de "Mad Men") teve finalmente direito a um Emmy.

Nolan Gould e Rico Rodriguez
Nolan Gould e Rico Rodriguez

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Justiça para todos? Viola Davis dirá que sim, mas que também ainda há um longo caminho a percorrer. A atriz viveu outro dos momentos-chave da noite (e da história dos próprios prémios televisivos) ao ter sido a primeira atriz negra a ganhar o Emmy de Melhor Atriz numa Série Dramática. "A única coisa que separa as mulheres de cor das outras é uma oportunidade", realçou num dos discursos de agradecimento mais emotivos e contundentes. Curiosamente, foi também outra atriz negra a vencedora do galardão de Melhor Atriz Secundária numa Série Dramática. Uzo Aduba, que já tinha sido premiada na edição do ano passado como Melhor Atriz Convidada numa Série Dramática, voltou a tornar "Orange Is the New Black" numa das principais montras para a força das personagens femininas no pequeno ecrã.

Outra mulher em destaque na cerimónia, Julia Louis-Dreyfus foi, no entanto, das vencedoras menos surpreendentes, na categoria de Melhor Atriz numa Série Cómica, naquele que é já o seu quarto Emmy pelo papel de protagonista de "Veep". Por outro lado, a vitória da série política na categoria de comédia terá sido mais inesperada, sobretudo por interromper um ciclo dominado por "Uma Família Muito Moderna" nas últimas cinco edições - e mais ainda por impedir a sitcom de bater um recorde até aqui mantido por "Frasier", caso conseguisse a sua sexta vitória sucessiva na categoria. Quem esperava uma lufada de ar fresco neste departamento teve aqui um dos motivos de regozijo.

No seu discurso de agradecimento, Louis-Dreyfus não só não abdicou do sentido de humor como atirou farpas a um dos alvos prediletos da cerimónia, também mencionado por Andy Samberg. "Deve ser uma grande honra para vocês honrarem-me esta noite", assinalou antes de se corrigir. "Oh, isto é do Donald Trump. É cada vez mais difícil satirizá-lo", brincou.

Para quem tivesse dúvidas de que a agenda dos Emmys é bastante mais liberal do que conservadora, a cerimónia também se tornou palco de discussão dos direitos das pessoas transgénero. "Transparent", a aclamada aposta da Amazon, foi contemplada com cinco prémios, entre estes o de Melhor Ator numa Série Cómica. Jeffrey Tambor agradeceu sobretudo à comunidade transgénero. "Obrigado pela vossa paciência, obrigado pela vossa coragem, obrigado pelas vossas histórias, obrigado pela vossa inspiração, obrigados por nos deixarem ser parte da mudança", frisou. Jill Soloway, criadora da série, não se ficou pelos agradecimentos e foi mais específica, alertando para "o problema dos direitos civis das pessoas trans", que se manifestam em questões tão prosaicas como o aluguer de um apartamento, facilmente recusável - de forma legal - em mais de 30 estados dos EUA por questões de identidade de género.

Ao dar outro eco à voz das mulheres, dos negros ou a alternativas a modelos heteronormativos, o evento acabou por traduzir parte da variedade da oferta televisiva atual, de facto bem diversificada, como Andy Samberg sublinhou. E com uma representação de minorias que pareceu mais espontânea e justificada do que, por exemplo, as das últimas edições dos Óscares, cujos prémios tenderam a valorizar mais os temas do que os méritos artísticos das obras. Igualmente salutar é a abertura de portas, apesar de ligeira, a alguma ficção científica, visível da nomeação de Tatiana Maslany, uma das atrizes mais versáteis do momento, como saberá quem a vê "Orphan Black", na pele de mais de meia dúzia de personagens. Mas quem não vê está desculpado: como o sketch de abertura mostrou, seriam necessários meses de recolhimento num bunker para acompanhar todas as séries dos últimos anos. E como essa será uma hipótese fora de questão, a cerimónia do Microsoft Theater não fica mal como barómetro daquilo que se tem feito.

Foto @Lusa