O filme é “A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, que se estreia no sábado na Quinzena de Cineastas, um programa paralelo do Festival de Cannes, com a presença do realizador e de alguns dos habitantes de Covas do Barroso.

A longa-metragem é apresentada como uma ficção, sobre uma comunidade que decide unir-se para expulsar uma empresa estrangeira que quer construir uma mina de exploração de lítio na sua aldeia.

Numa encenação de um faroeste, a população mobiliza-se munida com as armas de que dispõe – tratores, enxadas, carros de bois, cantigas de protesto -, contra um inimigo invisível e distante: a empresa estrangeira e o governo que autorizou o projeto de exploração.

Este “western social” é uma encenação de uma luta real de associações locais e ambientalistas de Covas do Barroso e de Boticas, contra um projeto da empresa britânica Savannah Resources, de exploração de lítio a céu aberto, numa área que está classificada como Património Agrícola Mundial.

Nos últimos anos, têm sido realizadas manifestações, arruadas, acampamentos de protesto contra a mina que os opositores consideram prejudicial para a região.

Paulo Carneiro, que vive em Lisboa, mas conhece aquele território, onde já rodou o documentário de pendor biográfico “Bostofrio, où le ciel rejoint la terre” (2018), decidiu um dia pegar na câmara e juntar-se àquela luta.

Em entrevista à agência Lusa, Paulo Carneiro explica que começou por fazer “uma espécie de documentário”, mas acabou por envolver os habitantes na escrita de uma ficção para que eles concretizassem aquilo que não conseguiram ainda na realidade, impedir o projeto mineiro.

“Há um momento em que eu digo ‘Vamos fazer um filme, todos juntos; eu vou estar aqui, isto não vai ser fácil, mas querem que isto aconteça?' E eles aceitam. A partir deste momento não se pode voltar atrás: Quando se entra na luta não se sai da luta. E nós, com o cinema, usamos o cinema como arma dessa luta. A verdade é que nunca ninguém desistiu e o filme existe”, afirmou Paulo Carneiro.

No filme entram algumas das pessoas que têm dado a cara contra o projeto da Savannah Resources, como a presidente da Comunidade Local dos Baldios de Covas do Barroso, Aida Fernandes, Maria Loureiro e Carlos Libo, que interpreta músicas de protesto.

Paulo Carneiro não sabe o impacto do filme ao estrear-se em Cannes, mesmo sendo este um dos mais importantes festivais do mundo.

“É um bocado difícil de acreditar que o cinema pode mudar alguma coisa, mas pelo menos que dê visibilidade e que faça com que se fale sobre o que se está a passar, que dê voz ao que acontece neste momento no terreno”, disse.

“A Savana e a Montanha” foi feito por quatro pessoas, ao longo de vários meses entre 2020 e 2023, sem financiamento do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), mas com apoio da Câmara Municipal de Boticas e da Agência de Cinema e Audiovisual do Uruguai, país coprodutor do filme.

“Éramos só quatro pessoas e tínhamos de trabalhar muito rápido, escolher o sítio para a câmara. O cinema é isso, encontrar o sítio onde pôr a câmara. De repente, temos os elementos todos, pensar rápido, encenar e não fazê-los [aos habitantes] perder muito tempo”, lembrou Paulo Carneiro.

Sobre a produção do filme, sobre o facto de não ter conseguido financiamento do ICA, ao qual concorreu várias vezes, Paulo Carneiro pede reflexão sobre o cinema português.

“O filme está aí, vai existir, terá distribuição e espero que isso faça refletir sobre o que é o cinema. O que me mete um bocado de medo é olhar e perceber que o cinema está a transformar-se cada vez mais no audiovisual. Sendo que existe uma secção concreta [nos apoios do ICA] para isso. Não tem mal nenhum fazer-se audiovisual. Mas cinema é uma coisa e audiovisual é outra”, disse.

“A Savana e a Montanha” tem estreia em Cannes, onde serão feitos contactos para distribuição internacional, enquanto se planeia também a exibição em Portugal, numa primeira apresentação em Covas do Barroso, para a população local, ainda sem data anunciada.

A Quinzena de Cineastas, que decorrerá de 15 a 25 de maio, é um programa independente não competitivo, que decorre em paralelo ao Festival de Cannes e é organizado pela Sociedade de Realizadoras e Realizadores de Cinema.

Além de “A Savana e a Montanha”, a programação inclui ainda a curta-metragem “Quando a terra foge”, de Frederico Lobo, também rodada em Trás-os-Montes, e a curta-metragem “O jardim em movimento”, da realizadora e artista visual Inês Lima.

Numa coprodução com Portugal apresentar-se-á também o filme “Algo viejo, algo nuevo, algo prestado”, do realizador argentino Hermán Rosselli, coproduzido pela Oublaum Filmes, de Ico Costa.

Na Semana da Crítica, outra das secções paralelas do festival, está o filme “As minhas sensações são tudo o que tenho para oferecer”, de Isadora Neves Marques.

No Festival de Cinema de Cannes, que começa na terça-feira, na competição oficial, está a longa-metragem “Grand Tour”, de Miguel Gomes, e a curta-metragem “Mau por um momento”, de Daniel Soares.