![Festival de Berlim tenta enterrar polémica sobre Gaza com filme israelita sobre refém, um antigo ator](/assets/img/blank.png)
O Festival de Cinema de Berlim estreou na sexta-feira um documentário sobre um refém israelita mantido pelo Hamas, ao mesmo tempo que tenta ultrapassar a controvérsia sobre a sua posição em relação a Gaza na edição do ano passado.
"A Letter to David", do cineasta israelita Tom Shoval, é uma homenagem a David Cunio, que foi levado pelo grupo militante palestiniano do kibutz Nir Oz em 7 de outubro de 2023 e ainda é mantido como refém em Gaza.
Shoval já havia apresentado Cunio e o irmão gémeo Eitan em "Youth", a sua premiada longa-metragem de estreia, que estreou na Berlinale em 2013.
No novo filme, exibido na categoria de Especiais do festival, Shoval utiliza trechos de “Youth” ao lado de imagens inéditas e entrevistas com familiares de Cunio para criar uma homenagem ao amigo desaparecido.
Eles incluem o irmão gémeo de David, Eitan, a sua mãe, a sua esposa Sharon Cunio e as filhas gêmeas – que também foram capturadas por combatentes do Hamas em 7 de outubro, mas libertadas após 52 dias.
Shoval disse que decidiu fazer o filme porque não queria que David fosse visto apenas como "um refém que se vê num poster".
"Ele também é uma pessoa real. Foi ator numa fase da sua vida, tem família, tem mãe, tem pai. Ele não existe apenas como uma imagem", disse o realizador à agência France-Presse.
“Foi muito importante para mim transmitir isso e também mostrar a dor que a família está a passar”, explicou.
Dilacerado
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No filme, o gémeo de David, Eitan, mostra uma tatuagem de estrelas no seu pulso – que David também tem – enquanto fala sobre seu irmão, curvado e a fumar um cigarro.
Eitan também leva o espectador numa viagem pelas antigas casas dele e de David no kibutz, dando um relato angustiante, passo a passo, do que aconteceu com eles em 7 de outubro.
Para Eitan, estar separado do seu irmão foi “como ser dilacerado” e ele “não é mais a mesma pessoa”, disse Shoval.
A Berlinale foi duramente criticada no ano passado, após vários cineastas terem sido acusados de fazer comentários antissemitas no palco da cerimónia de encerramento dos prémios.
O cineasta norte-americano Ben Russell, usando um lenço palestiniano, acusou Israel de cometer “genocídio” na Faixa de Gaza, enquanto o cineasta palestiniano Basel Adra disse que a população palestiniana estava a ser “massacrada” por Israel.
Antes do festival deste ano, a Berlinale publicou orientações no seu 'site' sobre liberdade de expressão, anti-semitismo e demonstração de solidariedade para com a causa palestiniana.
"Nós... defendemos o direito dos nossos cineastas de falar sobre os impulsos por trás do seu trabalho e das suas experiências no mundo. A Berlinale acolhe diferentes pontos de vista, mesmo que isso crie tensão ou controvérsia", afirmou a organização.
Tricia Tuttle, que assumiu o cargo de nova diretora da Berlinale em abril do ano passado, disse estar “surpresa” com a reação contra as declarações feitas no ano passado, descrevendo-as como “liberdade de expressão”.
Vigília na passadeira vermelha
"Estou mais perturbada por não ter existido no festival um lugar onde as pessoas sentissem empatia ou ouvissem empatia também pelos reféns", disse à AFP.
E acrescentou: “Não defendemos David Cunio no ano passado e sinto que realmente perdemos uma oportunidade".
“Embora queira ser extremamente cuidadosa para não continuarmos a silenciar vozes que expressam tristeza e solidariedade e um desejo pela criação de um Estado palestiniano, também quero ter certeza de que mostramos que nos preocupamos com as pessoas com quem temos um relacionamento”.
Na abertura da Berlinale na quinta-feira, Tuttle juntou-se à vigília de David Cunio na passadeira vermelha.
O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 resultou na morte de 1.211 pessoas, a maioria civis, de acordo com uma contagem da AFP de números oficiais israelitas.
Os militantes também fizeram 251 reféns, dos quais 73 permanecem em Gaza, incluindo pelo menos 35 que os militares israelitas afirmam estarem mortos.
A campanha de retaliação de Israel matou pelo menos 48.239 pessoas em Gaza, a maioria delas civis, segundo dados do Ministério da Saúde no território administrado pelo Hamas que a ONU considera confiáveis.
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