O realizador João Botelho tem dois novos filmes, de inspiração biográfica, um sobre o universo literário de Alexandre O'Neill e outro sobre o político Álvaro Cunhal, enquanto prepara uma ficção sobre os últimos anos de Oliveira Salazar.
João Botelho apresentou esta terça-feira, em Lisboa, a longa-metragem "Um Filme em Forma de Assim", que teve antestreia no IndieLisboa e chega aos cinemas no dia 12, descrevendo-o como "um desejo absurdo de filmar o ‘infilmável’".
"O O'Neill é a minha pátria, porque trabalhou a língua como ninguém" e por isso a personagem principal de "Um filme em forma de assim" é o texto, a obra literária daquele escritor, plasmada em poesia, contos, fados ou frases publicitárias.
Rodado em estúdio, em 2021, onde se recriou a Lisboa dos anos 1970, o filme conta com mais de 80 atores e intérpretes que dizem e cantam a partir dos textos de Alexandre O'Neill e da biografia do escritor, assinada por Maria Antónia Oliveira.
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"É uma pessoa para lá da vida, uma vertigem enorme, um vulcão, jorra para todos os lados e eu gosto destes portugueses que não são pretensiosos, mas que deviam ser, porque são tão grandes na escrita e na criação que nos deixam às vezes pequenos", sublinhou João Botelho.
O filme "é "uma pequena homenagem a um grande", que morreu aos 62 anos, em 1986, mas é também um olhar sobre Portugal "e este absurdo modo de viver que os portugueses têm. São entusiastas e ao mesmo tempo submissos, e contestam. Têm uma relação com a vida muito branda. [Alexandre O'Neill] tratou a vidinha dos portugueses", disse João Botelho à agência Lusa.
João Botelho volta a debruçar-se sobre a literatura portuguesa, depois de já ter feito filmes que convocaram obras de Almeida Garrett, em "Quem és tu?" (2001), Agustina Bessa-Luís, em "A corte do Norte" (2008), e Eça de Queirós, em "Os Maias: Cenas da Vida Romântica" (2014).
"O meu trabalho, de há uns tempos a esta parte, é chamar a atenção para textos. (...) Porque acho que há um desprezo pela leitura. A prosa começou a ser abandonada, as pessoas não têm tempo. É uma vertigem minha", disse.
Além de "Um filme em forma de assim", produzido pela Ar de Filmes, e que conta com as interpretações de, entre outros, Cláudio da Silva, Pedro Lacerda, Crista Alfaiate e Inês Castel-Branco, João Botelho, 72 anos, fez outro filme durante a pandemia, outra homenagem.
Chama-se "O Jovem Cunhal", focado na juventude do líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, que terá estreia nos cinemas em data ainda a anunciar, e exibição, disse João Botelho à Lusa, na Festa do Avante!.
"Gosto do Cunhal; e nos tempos que correm acho que é bom falar da coerência que ele teve e que é uma das grandezas da condição humana: a coragem. É um filme sobre a coragem, até aos 28 anos", afirmou João Botelho.
O filme, no qual entram Margarida Vila-Nova e João Pedro Vaz, entre outros, recorre a imagens de arquivo e a uma encenação de excertos de textos de e sobre Álvaro Cunhal.
"Há uma coisa no Cunhal que eu gosto que é o ‘nós’ em vez do ‘eu’. Vivemos no individualismo absoluto. O ‘nós’, o coletivo está a desaparecer. Fiz uma pequena homenagem a um grande homem. Não é ficção nem documentário, é cinema, uma coisa sobre um homem que é maior do que a vida", sublinhou João Botelho.
O filme surge numa altura em que o PCP tem sido criticado pelas posições assumidas em relação à invasão russa da Ucrânia, e João Botelho defende que o partido tem de ser mais claro nas suas afirmações.
"Eles não defendem o Putin, eles são contra é a NATO, são contra a indústria do armamento. Eles condenam a guerra, agora não gostam da indústria imperialista do armamento", disse.
João Botelho tem ainda em mãos um novo filme, que quer rodar em 2023 e estrear em 2024, coincidindo com os 50 anos do 25 de Abril de 1974, porque acha que já tem idade para filmar e "vingar-se da miséria que era o salazarismo", como explicou à Lusa.
O filme será sobre os dois últimos anos de vida de António de Oliveira Salazar, a partir de uma recolha de várias fontes de informação, nomeadamente o livro "A queda de Salazar - O princípio do fim da ditadura", de José Pedro Castanheira, António Caeiro e Natal Vaz, e os diários do ditador, transcritos pela arquivista Madalena Garcia.
João Botelho explica que este filme surge de um incómodo: "Às vezes entro num táxi e [vejo] pessoas que nasceram depois do 25 de Abril que dizem que 'no tempo do Salazar é que era bom'. Não era!", exclamou.
"É dizer que o fascismo é uma coisa sinistra e que impede a liberdade. Eu tenho três filhos, adoro-os, mas o dia mais feliz da minha vida foi o 25 de Abril [de 1974]. Sei o que era antes, o que era o silêncio, a repressão", afirmou.
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