A caminho dos
Óscares 2025
Raramente um filme caiu em desgraça tão rapidamente: depois de obter um número recorde de nomeações aos Óscares para um filme não falado em inglês, o narcomusical "Emília Pérez" está envolvido num escândalo ligado a mensagens antigas nas redes sociais da sua protagonista, Karla Sofía Gascón.
A primeira mulher transgénero nomeada na categoria de Melhor Atriz viu seu caminho para a glória seriamente comprometido pelas suas partilhas sobre o Islão, os protestos anti-racismo nos EUA e até mesmo os próprios Óscares, que chamou de 'cerimónia feia'.
Ao deixar de ser um símbolo da diversidade abraçada por Hollywood, ela corre o risco de alienar os membros de esquerda da Academia que decidem os vencedores dos Óscares - apesar das suas desculpas e da insistência de que 'não é racista'.
Na terça-feira, a imprensa de Hollywood informou que a Netflix, que apostava em "Emília Pérez" para o seu primeiro Óscar de Melhor Filme, retirou a atriz de 52 anos da sua campanha e distanciou-se da nomeada para Melhor Atriz.
Uma página da Netflix promovendo o filme na campanha para os prémios conhecida por FYC [Four Your Consideration] centrava-se na imagem de Zoë Saldaña, a nomeada para Melhor Atriz Secundária.
No auge da temporada de prémios de Hollywood, Gascón também não participará em mais eventos, incluindo a cerimónia dos Critics Choice Awards de sexta-feira, conforme estava programado, segundo a imprensa especializada.
Contactada pela agência France-Presse, a Netflix não quis comentar.
Gascón, 52 anos, pediu desculpas publicamente pelas mensagens, mas ao mesmo tempo declarou que “fui condenada, sacrificada e apedrejada sem julgamento”.
“Não posso renunciar à minha nomeação. Não cometi nenhum crime”, acrescentou em declarações à CNN em castelhano.
O filme predominantemente em castelhano, filmado na França e ambientado no México, está nomeado para 13 Óscares, bem como 11 BAFTAs e 12 Césars, respetivamente os equivalentes britânico e francês dos prémios da Academia de Hollywood.
Em janeiro, ganhou quatro Globos de Ouro em janeiro, incluindo o de Melhor Filme em Comédia ou Musical. Antes, recebera o Prémio do Júri no Festival de Cannes, e o elenco feminino (Gascón, Selena Gómez, Zoë Saldaña e Adriana Paz) recebeu conjuntamente o prémio de Melhor Atriz.
Temas transgénero
Mesmo ganhando prémios e arrasando na temporada das nomeações, cresciam as críticas no México sobre as suas representações do país, bem como sobre a falta de mexicanos no elenco.
Gascón, que é espanhola, interpreta o chefe de um cartel de drogas que transita para a vida de mulher e vira as costas ao crime neste muito invulgar 'thriller' musical.
Milhares de mexicanos deram ao filme a classificação mais baixa possível nos sites de crítica de filmes online IMDb e Rotten Tomatoes, onde atualmente tem uma classificação de 18% do público.
Um organismo federal de defesa dos consumidores anunciou a 24 de janeiro que entrou em contacto com a rede de cinemas Cinépolis para garantir que os clientes insatisfeitos com o filme pudessem ser reembolsados.
O realizador francês Jacques Audiard, que também está nomeado, disse à AFP no mês passado que a questão do tráfico de drogas era 'algo que me toca o coração', embora reconhecesse que 'talvez tenha lidado com isso de maneira desajeitada'.
A sua representação de temas transgénero também deixou algumas pessoas na comunidade inquietas, enquanto o uso de Inteligência Artificial para aumentar o alcance da voz de Gascón levou a críticas em alguns setores, mesmo que os ajustes de voz em pós-produção sejam comuns na indústria.
O grupo ativista GLAAD, que monitoriza a representação da comunidade LGBTQ+ nos media dos EUA, chamou ao filme uma 'representação profundamente retrógrada de uma mulher trans'.
O escritor mexicano Jorge Volpi chamou à produção de "um dos filmes mais cruéis e enganadores do século XXI".
A repercussão
Os críticos e analistas perguntam-se agora até que ponto as controvérsias fora dos ecrãs afetarão os resultados dos Óscares quando forem anunciados em 2 de março.
Os escândalos nem sempre impediram que os filmes tivessem sucesso.
“Green Book - Um Guia Para a Vida”, um drama de 2018 baseado na verdadeira história de um músico negro e do seu motorista branco no Sul profundo dos EUA nos anos 1960, foi amplamente condenado por perpetuar estereótipos de 'salvadores brancos'.
Também surgiu durante a campanha dos Óscares uma antiga mensagem nas rede sociais onde um dos produtores do filme expressava apoio às falsas alegações de que os muçulmanos estavam a festejar em Nova Jérsia após os ataques terroristas do 11 de setembro.
TRAILER "EMÍLIA PÉREZ".
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