O realizador Sol de Carvalho declarou à Lusa que o seu mais recente filme, "O Ancoradouro do Tempo", que estreia em Portugal esta semana, quer passar uma mensagem crítica à corrupção e crime em Moçambique.

O realizador moçambicano, nascido na cidade da Beira, revelou que pretende, com a sua arte, que é uma adaptação do livro "A Varanda de Frangipani" de Mia Couto, passar uma mensagem de integridade, coerência e resiliência, uma vez que a personagem principal, o inspetor Izidine, volta à fortaleza onde cresceu para investigar um crime.

O recém-inspetor, ao regressar à sua terra natal, percebe que passou a vida toda com uma imagem distorcida do pai, que afinal é um herói.

No entanto, ele "nunca fugiu daquilo que é a sua missão principal, a investigação do crime", mantendo-se íntegro, referiu o produtor.

Um dos crimes da narrativa está relacionado com o tráfico de órgãos de albinos.

"Um rim de um albino pode custar 50 mil dólares" [cerca de 43 mil euros]. Ou seja, os albinos nesta região oriental de África são vítimas de duas situações criminosas: por um lado, de curandeiros e feiticeiros, que usam órgãos para cerimónias, e por outro são vítimas de tráfico internacional e o tráfico de seres humanos em África é um problema sério", lamentou.

Para o argumentista, "os albinos simbolizam o estágio maior da corrupção representada no filme".

Questionado sobre que desafios teve a adaptar a obra de Mia Couto, respondeu que foram os "normais, sempre que um realizador quer pegar num livro de um romancista famoso e transferi-lo para o cinema".

"E eu creio que esse desafio foi superado, até porque conheço o Mia Couto há 40 anos, somos amigos. Portanto, existe uma base de entendimento", indicou.

Sol de Carvalho explicou que Mia Couto participou na escrita do filme e, portanto, "houve alguma liberdade em relação à obra original, apesar de se respeitar a coluna vertebral e o sentido da estória".

"Acho que o filme em termos de estória, em termos de estrutura, em termos de narrativa, está conseguido e foi o resultado desse trabalho conjunto", frisou.

Relativamente à escolha do local de filmagens, a Fortaleza da Ilha de Moçambique, Património Mundial da Humanidade, o realizador explicou que, juntamente com Mia Couto, concluiu que o argumento da obra só poderia ser gravado ali, apesar de, curiosamente, terem procurado castelos em Portugal, ou edifícios históricos abandonados.

"Depois decidimos fazer na ilha de Moçambique, achávamos que fazia sentido fazer lá porque a ilha corresponde a microcosmos" do "encontro de várias culturas" que junta "a História colonial com a História presente".

Em relação à escolha dos atores, foi a primeira vez que o realizador trabalhou exclusivamente com atores moçambicanos profissionais - que neste caso foram escolhidos a dedo por já ter trabalhado com eles noutros projetos - porque normalmente trabalha com amadores ou que não trabalham a tempo inteiro na área.

"Eu normalmente costumo trabalhar com atores amadores a maior parte das vezes, ou atores profissionais que não são completamente profissionais, vamos dizer assim, porque em Moçambique é muito difícil ser ator profissional", lamentou.

A antestreia do filme em Portugal está agendada para o dia 25 de junho, data em que se assinalam os 50 anos da independência de Moçambique, e a estreia nas salas de cinema está marcada para 26 de junho.

A obra foi produzida pela Real Ficção e co-produzido com a Promarte (Moçambique), Autentika Films (Alemanha), Gamboa & Gamboa (Angola) e Caméléon Production (Maurícias).

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