A caminho dos
Óscares 2020
A equipa de produção do documentário "The Cave", que mostra a luta de médicos e enfermeiros num hospital subterrâneo durante o cerco de Goutha, na Síria, continua a receber terapia para lidar com os efeitos desse trabalho.
"Tínhamos um terapeuta para a equipa, os editores, tradutores, o [realizador sírio] Feras [Fayyad]", disse a produtora dinamarquesa Kirstine Barfod, numa conversa em Los Angeles. "Ajudou-nos com ferramentas porque todos fomos afetados. Ainda estamos a receber terapia".
Nomeado para o Óscar de Melhor Documentário, "The Cave" foi realizado à distância por Feras Fayyad, que se encontrava exilado depois de ter sido preso e torturado na Síria, com imagens enviadas por satélite por uma equipa de três cinematógrafos.
O filme, que se estreia no dia 8 de fevereiro no National Geographic Portugal, centra-se na médica pediatra Amani Ballour, que foi eleita pelos pares para administrar o hospital em Al Ghouta, região cercada por Bashar al-Assad durante cinco anos, por ser um reduto das forças de oposição ao presidente sírio.
"Não sabíamos se eles iam sobreviver", disse a Sigrid Dyekjær, dona da Danish Documentary, que produziu "The Cave" com Feras Fayyad.
O título (que significa "A Caverna") refere-se ao nome dado ao hospital que foi praticamente construído debaixo da terra pelos resistentes durante o cerco, com o objetivo de salvar o máximo de vidas possível. "As pessoas cavaram e construíram os túneis. Assad começou a perceber que havia alguém a salvar pessoas", salientou Dyekjær.
Fayyad já tinha sido nomeado para os Óscares por "Os Últimos Homens em Alepo", que considerou ser uma versão masculinizada da guerra, e concebeu "The Cave" como "uma ode feminista, uma dedicatória a todas as mulheres na Síria", disse Dyekjær.
Apesar de mostrar os ataques com armas químicas e constantes bombardeamentos aéreos, entre 2013 e 2018, o documentário não toma uma posição quanto à guerra e não fornece contexto histórico.
"A Síria é um local geopolítico no qual toda a gente tem interesses. A decisão do Feras foi de que o filme não tocaria nessas questões", explicou Sigrid Dyekjær, numa entrevista em que o realizador não participou, porque o governo norte-americano lhe negou o visto temporário de entrada.
"Ele quis dar-nos as pessoas. Porque todos estão fartos de refugiados sírios, não querem olhar para eles", continuou Dyekjær. "Os europeus não os querem no seu continente".
A visão de Fayyad, que "sente a resistência e o comportamento racista" todos os dias por ser sírio, foi que os espectadores deveriam "conhecer as pessoas, senti-las, cheirá-las, ouvi-las, quase tocá-las". O filme evita mostrar os corpos mutilados, as operações após bombardeamentos e as crianças mortas, porque o realizador considerou que isso afastaria o público.
"A doutora Amani ficou um pouco 'chateada' quando viu que não havia mais cenas de crianças a perderem braços e pernas, a morrerem", contou Dyekjær. "Mas o Feras disse-lhe que já era difícil o suficiente a comunidade internacional olhar para eles".
Ele quer, disse Dyekjær, "que olhemos nos seus olhos e vejamos que são pessoas, que têm sonhos e esperança de um futuro melhor, em especial as mulheres".
A liderança de Amani Ballour é tratada com resistência por homens que consideram que as mulheres devem estar em casa, mesmo numa situação trágica de guerra e morte, e Feras Fayyad mostra isso.
Bombardeando hospitais com frequência, o regime deu aos médicos a possibilidade de fugirem, mas eles recusaram até à evacuação compulsiva dos locais.
"É preciso entender que ser médico é uma vocação e Al Goutha era a área onde Amani praticava medicina", disse Dyekjær. "Por isso conhecia muitas das famílias e das crianças. Ela não queria ir-se embora, queria ficar e ajudar a sua gente".
A escassez de comida e medicamentos foi-se tornando mais grave à medida que o regime bombardeava os túneis por onde os bens eram levados para o hospital subterrâneo. Alguns elementos da equipa que participou na produção morreram durante o cerco.
Na cena final, Fayaad mostra um avião de guerra e um navio afundados, da Grande Guerra de 1914-1918 e da II Guerra Mundial.
"Esse é o seu comentário", disse Dyekjær. "Não aprendemos nada com a História. Os sírios estão a fugir e a afogar-se e o mundo não quer saber".
A 92.ª edição dos Óscares decorre este domingo, madrugada de Lisboa, no Dolby Theatre em Hollywood.
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