Segundo o membro dos Canto Nono, que trabalhou com José Mário Branco no grupo que o poeta e músico dirigiu entre 2001 e 2019, houve cuidado “no alinhamento” para que não fosse apenas “uma anódina reposição de reportório”, mas antes “uma reconstrução da obra, agora com novas abordagens e formas de expressão”.
“Neste espetáculo, vamos fazer uma recriação da sua obra, pegando na vivência musical e também pessoal destes [quase] 20 anos que esteve connosco. Num estilo desafiador, porque depois vamos colocar a harmonização das vozes no centro, expondo as suas potencialidades na criação de melodias que, no fundo, compensam a falta dos instrumentos”, acrescentou.
Intitulado “A força (o poder) da palavra - Um canto a José Mário Branco”, o espetáculo estreia-se sexta-feira no Coliseu do Porto e segue, depois, para Lisboa, com apresentação a 1 de maio no Teatro Maria Matos, e depois para Loulé, no Cineteatro Louletano no dia 13 do próximo mês.
Para o promover, o grupo ‘a capella’ lançou dois temas - “Ronda do soldadinho” e “Do que um homem é capaz” -, que serve tanto de “antecipação do que as pessoas podem ver e ouvir nos concertos” como para mostrar “quase os dois extremos” da criação que estarão patentes no espetáculo, do “Soldadinho”, de 1969 e lançada com o artista ainda no exílio em Paris, ao tema do último disco de originais, “Resistir é Vencer”, já de 2004.
O espetáculo, que será gravado no Porto e poderá vir a ser editado mais tarde, inclui canções “em que o Zé Mário é autor da letra, da música ou criador dos arranjos”, atravessando muita variedade criativa do produtor, cantautor e compositor português, exilado pela oposição ao Estado Novo e regressado após a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974.
“Tal como num poema, somos uma pessoa ao entrar numa canção de Zé Mário, e outra quando saímos dela. Nas suas canções não há neutralidade. Há esta constante palavra: ‘verdade’. Esta palavra, ‘verdade’, era uma constante em toda a sua obra. A sua força e o seu poder sobressaem sempre, para além de uma simples unidade linguística, mas sim sempre com um profundo sentido. Por isso, isto tem sempre atualidade”, considera Fernando Pinheiro.
Se há canções em nome próprio, composições para outros artistas, como Sérgio Godinho, ou “coisas para teatro, cinema” e outras ‘aventuras’, há espaço no alinhamento para “muita coisa interessante”, tanto que a primeira seleção era de 40 faixas e “foi difícil” reduzir esse número.
Em palco, além do Canto Nono, estarão vários outros convidados, antigos companheiros de palco e de vida, porque “não é só a parte musical, mas a afetiva, também”, que aqui está em jogo, convocando nomes como Amélia Muge, José Martins, Tomás Pimental e Filipe Raposo.
Para já, conta com três datas, mas há já um projeto para o levar a locais do país “onde habitualmente este tipo de música não chega”, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974.
O grupo Canto Nono começou a trabalhar em 1992, no Porto, e é formado por quatro vozes femininas e outras tantas masculinas, estreando-se na edição discográfica em 1997 antes de começar, no início do milénio, a colaboração com José Mário Branco, com quem produziram “Sons do Porto”, para a Capital Europeia da Cultura de 2001, quando o compositor assumiu a direção artística.
Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco é considerado um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa, a partir do final dos anos de 1960 e em particular dos anos que rodearam a Revolução de Abril de 1974, cujo trabalho se estende também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.
Foi fundador do Grupo de Ação Cultural (GAC), fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo, a União Portuguesa de Artistas e Variedades e colaborou na produção musical para outros artistas.
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