Videoclip de "We No Who U R" (realizado por Gaspar Noë):
Gravado num castelo francês do século XIX, o disco teve como fonte de inspiração uma referência bem mais contemporânea, a Wikipedia, onde Cave confessa entreter-se durante horas em pesquisas que diluem a fronteira entre a realidade e o mito, o essencial e o supérfluo, o perene o temporário. Esse contraste, frequentemente aleatório, reflete-se nas narrativas ziguezagueantes de "Push the Sky Away", que depois de uma audição atenta mostram não ser tão díspares ou esquizofrénicas como ao primeiro impacto. Da disparidade nasce assim a coesão de um conjunto de canções que, não se assumindo como álbum conceptual, fazem mais sentido como um todo do que ouvidas individualmente - as interligações entre alguns momentos são fortes ao ponto de haver uma faixa, "Finishing Jubilee Street", influenciada pelo processo de composição de outra, "Jubilee Street".
Com um novelo narrativo complexo, para não dizer confuso, "Push the Sky Away" poderia cair num exercício de estilo entediante e presunçoso, não se desse o caso de ter algumas canções em que a letra e a música casam na perfeição. "We No Who U R" é logo a primeira e impõe um patamar demasiado alto, mas a faixa-título, o momento mais minimalista, fecha o disco num episódio tão ou mais inspirado. Epílogo solene, de atmosfera esparsa e assente no órgão, mostra Cave a desafiar o céu (e os seus limites) depois de ter mostrado respeito pelo mar em canções anteriores, num desfecho simultaneamente sóbrio e maior do que a vida.
Videoclip de "Jubilee Street" (realizado por John Hillcoat):
Também com uma banda em topo de forma, "Jubilee Street", belíssimo novo single, parte de um riff de guitarra repetido para chegar, já perto do final, a uma graciosa explosão de violinos, cereja em cima do bolo de um crescendo hipnótico. As explosões e crescendos ficam-se, aliás, por aí, já que grande parte do alinhamento de "Push the Sky Away" propõe uma elegância nervosa, geralmente enleante, mas que fica sempre a um passo do clímax. É o caso de "Wide Lovely Eyes" ou "We Real Cool" (outro título que parece tirado de uma canção de Ke$ha), que deixam as guitarras a marinar sem nunca as soltarem (embora a segunda tenha direito a um breve remate com um violino fantasmagórico). Essa opção marca também "Water's Edge" sem que o resultado soe tanto a uma canção inacabada: a fricção instrumental, aliada à voz de um Cave em registo spoken word, é uma boa moldura sonora para as imagens de desejo, inocência e morte à beira-mar, nascidas de um relato sobre rapazes do campo e raparigas da cidade.
Este jogo de texturas, com uma presença regular de loops e harmonias de quadros quase cinematográficos, deverá qualquer coisa à colaboração entre Cave e Warren Ellis em muitas bandas sonoras nos últimos anos. Dos arranjos aos ambientes, o álbum importa traços dessa estética enquanto os Bad Seeds surgem aqui, pela primeira vez, sem Mick Harvey, cujo contributo moldou, desde o início, muito do que viria a ser o som do grupo. "Push the Sky Away" prova que um recomeço, quinze álbuns depois, não só é possível como faz sentido - mesmo quando não chega a transformar ideias intrigantes em grandes canções.
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