“Esta é uma reflexão musical sobre a questão do feminismo", um projeto "que vive da colaboração entre mulheres e homens”, disse Marta Hugon à agência Lusa, sublinhando que "ser inteiro, é podermos ser tudo aquilo que somos, sem as limitações que os estereótipos de género impõem às mulheres".
Com Marta Hugon neste projeto estão A Garota Não, Aline Frazão, Elisa Rodrigues, Joana Alegre, Joana Espadinha, Joana Machado, Luísa Sobral, Ana Bacalhau, e ainda os músicos Diogo Duque (trompete, flauta e percussão adicional), Ana Isabel Dias (harpa), Sofia Queiroz (contrabaixo), André Sousa Machado (bateria e percussão adicional) e Luís Figueiredo (piano, teclados e percussão adicional), a primeira pessoa a quem Marta Hugon apresentou o projeto.
“O Luís Figueira fez também a direção musical e os arranjos de cada uma das canções, foi a primeira pessoa a quem eu falei sobre este projeto, pois achei que tinha, não só ligação com o tema, como a sensibilidade para transformar isto num conjunto coeso de canções. Tem uma grande sensibilidade musical, com muito bom gosto, e a quem confio imenso e é uma peça fundamental para o disco”.
“Este projeto surgiu de um espaço de ócio, durante a pandemia" de COVID-19, explicou Marta Hugon. "Além das obrigações familiares e domésticas, abriu-se um espaço para pensar nas coisas para as quais tinha menos tempo, e surgiu-me uma reflexão sobre o meu próprio trabalho e das pessoas que me rodeiam, e das mulheres com quem trabalho, e este fio condutor, este laço que nos une”.
O título escolhido para o projeto, “Caliope”, inspira-se na mitologia clássica grega, mas pressupõe, explicou Marta Hugon à Lusa, a sua “subversão”, celebrando a transformação do mito da musa inspiradora num novo mito, o da musa criadora, propondo trazer para o disco e para o palco, nove "musas", autoras e compositoras da língua portuguesa.
“O desafio que eu lancei foi o que é isto de criar, da criação no feminino, ou como é que ser mulher afeta o trabalho criativo. E isso para pessoas diferentes terá significados diferentes, e o facto de haver canções tão diversas espelha isso mesmo”.
A compositora referiu que “dentro do universo da criação há muita coisa”, defendendo que a criação na sua génese tem esses dois lados, o masculino e o feminino, que são os lados do equilíbrio, e que assumem seres diferentes em alturas diferentes”.
“Ondine”, de Joana Alegre, abre o disco que totaliza nove temas.
“Neste disco cada uma de nós falou, na sua canção - de que [cada uma é] autora da letra e música -, daquilo que a tocava mais ou no que lhe pareceu mais pertinente, no momento em que a canção foi escrita”.
Para Marta Hugon, “estas questões de estereótipos de género surgem em muitos contextos, no palco, nos músicos que vamos buscar para tocar connosco, no facto de haver mais instrumentistas homens que mulheres, da razão pela qual as mulheres fazem percursos no ensino, e em relação à música acabam por abandonar esse percurso, muitas vezes sem uma razão objetiva, que não tem a ver com capacidade, tem a ver com outras questões, da forma como são encaminhadas ou vistas pela sociedade, para além das questões de preconceito puro e duro com que temos de lidar quando assumimos uma ‘persona publica’ e com o impacto que isso tem nas escolhas que fazemos”.
A compositora citou a canção “Corpo ao Manifesto”, de Elisa Rodrigues, que “fala disso, como a indústria musical dita às mulheres o que elas podem ou devem fazer em determinadas fases da sua vida, e ela fala disso muito claramente”.
Referindo-se à sua canção “Calíope”, que dá título ao projeto, Hugon disse que falou mais sobre a “génese de criação, que na sua essência não tem género”, mas reconhece que depois acaba por ser “afetada por esses estereótipos”, enquanto música e compositora.
“Uma pessoa não pode ser dissociada do seu contexto. Uma pessoa pode até ser educada num contexto que não é excecionalmente preconceituoso, mas depois culturalmente existem diferenças no ambiente em que crescemos, e na forma como absorvemos a informação, e como são perspetivados os papéis do que é ser homem e ser mulher”.
Sobre o projeto realçou “ser interessante ter vozes diferentes". E exemplifica: "Aline Frazão, que é uma voz da música angolana [interpreta 'Quem Dera à Musa Ser Eu'], que tem uma perspetiva muito particular sobre este tema, ou a letra de A Garota Não ['Carta a Calíope'], que fala sobre a dureza do percurso, dos obstáculos que as mulheres têm de ultrapassar dentro desta área artística, que não é diferente das outras áreas. E, no fundo, há muitos obstáculos a ultrapassar”.
A diretora artística do projeto sublinhou que havia “liberdade para criar dentro do conceito, da transformação de musa inspiradora para uma musa criadora”, e referiu que todas as participastes “têm gosto e ligação ao mundo literário e percebem como os mitos e as narrativas ancestrais têm muita força na forma como encaramos a realidade”.
“Todas gostaram desta ideia da transformação do mito”, sublinhou.
“Todas elas estão, inevitavelmente, afetadas pela questão da discriminação de género, em alguma fase da sua vida, todas elas são tocadas no presente ou foram”.
A edição digital de "Caliope" está prevista para 1 de março próximo, e o álbum físico (CD) sai no dia 8, quando é apresentado o espetáculo no Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa.
Em palco, estão confirmadas A Garota Não, Aline Frazão, Elisa Rodrigues, Joana Alegre, Joana Espadinha, Joana Machado e Marta Hugon.
Para Hugon, “ser inteiro, é podermos ser tudo aquilo que somos, sem as limitações que os estereótipos de género impõem às mulheres, que os estereótipos que estão na música não são diferentes dos estereótipos que estão na sociedade em geral. A música é apenas um das vertentes que esses estereótipos assumem. Era ótimo dizer que não existem estereótipos de género em nenhuma área da sociedade, mas infelizmente ainda não é verdade”.
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