Se Madonna é a rainha da pop, Cher pode ser considerada a imperatriz do mesmo campeonato: vencedora de um Óscar, três Globos de Ouro, um Emmy e um Grammy e com um disco de ouro e uma mão cheia de sucessos arrecadados nas últimas cinco décadas, será difícil negar-lhe esse posto. A cantora, que celebra esta quinta-feira 75 anos, tal como nos habituou toda a vida, promete continuar a surpreender até deixar de trabalhar.
Cher, nascida Cherilyn Sarkisian, é para muitos a 'deusa da pop'. Muito mais que cantora, atriz, apresentadora e empresária, a norte-americana tornou-se um ícone e, ao longo das últimas décadas, tem influenciado e inspirado milhares de fãs por todo o mundo.
Com quase 60 anos de carreira, a artista já vendeu cerca de 150 milhões de discos e acumula dezenas de prémios. Em 2017, foi homenageada com um Icon Award, galardão de carreira dos Billboard Music Awards.
Paralelamente à música, Cher foi apresentadora de televisão nos canais CBS e ABC, atriz em filmes como "A Máscara", "O Feitiço da Lua" ou "Mamma Mia! Here We Go Again", Em palco, nas passadeiras vermelhas, no pequeno e no grande ecrã, a artista lançou também tendências de moda e a sua vida intensa foi muitas vezes polémica e deu que falar.
Da dupla à carreira a solo: a banda sonora que Cher nos ofereceu
Cher estreou-se no mundo do espetáculo como bailarina, tendo começado a destacar-se em meados dos anos 1960 na dupla Sonny & Cher, formada ao lado do na altura marido Sonny Bono, de quem se divorciou em 1975. Anos antes, o casal já se tinha lançado no pequeno ecrã, no programa "The Sonny & Cher Comedy Hour", do canal norte-americano CBS.
"I Got You Babe" e "Baby Don't Go", gravadas em parceria com Sonny, foram os primeiros sucessos de Cher, que a motivaram a lutar por uma carreira em nome próprio.
A solo, a sua estreia no mundo da música aconteceu em 1965, com o lançamento de "All I Really Want to Do". Produzido por Sonny Bono com o apoio de Harold Battiste, o álbum de estreia da cantora foi elogiado pela crítica e conquistou a liderança dos tops no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Para o álbum de estreia, a cantora fez três versões de temas de Bob Dylan - "All I Really Want to Do", "Blowin' in the Wind" e "Don't Think Twice, It's All Right". A artista gravou ainda temas compostos por Sonny Bono, como "Needles and Pins", que se tornou num dos sucessos da banda britânica The Searches.
A partir do primeiro passo a solo, Cher nunca mais parou e os sucessos já se avistavam. O segundo disco, "The Sonny Side of Chér", chegou em 1966, e contou com os singles "Where Do You Go" e "Bang Bang (My Baby Shot Me Down)". Seguiram-se os álbuns "Chér" (1966), "With Love, Chér" (1967), "Backstage" (1968) e "3614 Jackson Highway" (1969).
O sucesso nos anos 1960 foi tímido quando comparado com a fama que Cher alcançaria nas décadas seguintes. No arranque da década de 1970, "Gypsys, Tramps & Thieves" , o sétimo álbum de estúdio da cantora e atriz, destacou-se nos tops mundiais e permanece no ranking dos álbuns mais vendidos por Cher (2 961 078 de cópias).
"Half-Breed", "Dark Lad" e "Take Me Home" também se destacaram na década de 1970.
Reconhecida e aplaudida em todo o mundo, Cher chegou à década de 80 com a carreira já marcada por vários sucessos, combinados com visuais irreverentes e que sempre refletiram a sua personalidade única e camaleónica. Entre 1980 e 1990, a artista editou quatro discos, destacando-se "Heart of Stone" (1989), considerado por muitos dos fãs como o melhor álbum da cantora nascida em 1946 e de onde saíram temas como "If I Could Turn Back Time" ou "Just Like Jesse James".
A abrir a última década do século XX, Cher editou "Love Hurts". Na edição europeia, o álbum contou com o single "The Shoop Shoop Song (It's in His Kiss)", que se tornou numa das canções mais populares da artistas - no Spotify, o tema soma mais de 67 milhões de reproduções, sendo apenas ultrapassado por "Believe" (291 milhões) e "If I Could Turn Back Time" (160 milhões).
Nas primeiras décadas da sua carreira, Cher foi sempre reinventando-se - no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a cantora trocou o disco pelo rock. Já na reta final dos anos 1990, quando o seu sucesso dava sinais a de abrandamento, a artista abraçou a música de dança e ofereceu ao mundo um dos hinos da década: "Believe" chegou em 1998 e é até hoje o maior sucessos de Cher.
O tema, que foi composto por Paul Barry, Matt Gray, Brian Higgins, Stuart McLellan, Timothy Powell, e Steven Torch, conquistou o primeiro lugar do top em 23 países. "Believe" também ficou também sete semanas na liderança do UK Singles Chart e continua a ser o single mais vendido de uma artista feminina no Reino Unido.
Do álbum "Believe" destacou-se ainda o single "Strong Enough".
"Não existem outras carreiras como a dela. A artista passou os anos 1970 a contar piadas absurdas no 'The Sonny and Cher Show', enquanto gravava sucessos arrepiantes êxitos sobre sexo sórdido e derramamento de sangue. ('Dark Lady'? Essa música é ... muito.) Mas 'Believe', o seu hit mais icónico, é o hino disco dos anos 1990 que a artista cantou quando tinha 52 anos", lembra a revista Rolling Stone.
Depois do sucesso no final dos anos 1990, Cher entrou numa nova época com um objetivo: surpreender. Em 2000, a cantora fez o inacreditável, pelo menos para a época, e lançou o álbum "not.com.mercial" apenas no site. "Lançado apenas na Internet, o álbum profundamente pessoal apresenta Cher a escrever e a gravar o seu próprio material pela primeira vez na sua carreira de três décadas e meia", recorda a Rolling Stone.
No ano seguinte, em 2001, a norte-americana voltou ao modelo 'tradicional' e lançou o seu vigésimo quarto álbum de estúdio no mercado. "The Music's No Good Without You", "Song for the Lonely", "A Different Kind of Love Song", "When the Money's Gone" e "Love One Another" foram os singles de "Living Proof", álbum promovido com uma digressão mundial - segundo o livro dos recordes do Guinness, "Living Proof: The Farewell Tour (2002-2005) é uma das digressões femininas mais lucrativas da história.
Depois de "Living Proof", Cher esteve mais afastada dos holofotes. O regresso aos discos aconteceu em 2013, com "Closer The Truth", que contou com o single "Woman’s World".
No intervalo e longe do estúdio, Cher fez várias residências artísticas e espetáculos em Las Vegas.
Em 2018, Cher participou no filme "Mamma Mia! Here We Go Again" e gravou um novo álbum com versões dos temas dos ABBA.
"Parece que tenho vários novos fãs, jovens. É algo grandioso. Honestamente não esperava", disse à AFP numa entrevista no hotel de West Hollywood.
Para uma geração, a cantora será sempre o ícone da contracultura dos anos 1960, que cantava em parceria com o ex-marido Sonny Bono o sucesso "I Got You Babe". Mas conquistar novos fãs não é novidade: em 1989 Cher surpreendeu e apareceu de roupa transparente o casaco de couro no videoclip de "If I Could Turn Back Time"; em 1998 a canção "Believe" apresentou a artista para os fãs da música eletrónica.
Uma carreira de sucesso também como atriz
Em paralelo com a carreira como cantora, Cher também teve um percurso como atriz meteórico, breve e de grande sucesso.
Apesar de ter entrado em três filmes ainda nos anos 1960 (dois deles a fazer dela própria), a aposta na representação foi a reação a um declínio de vendas dos seus álbuns. E como reconheceria mais tarde, foi Robert Altman que a lançou quando, contra todos os que o aconselharam em sentido contrário, a escolheu para a produção da Broadway e a seguir a adaptação ao cinema de "Volta Jimmy Dean, Volta Para Nós", em 1982.
Após vê-la na peça, o realizador Mike Nichols também lhe ofereceu o papel da colega e amiga lésbica de Meryl Streep em "Reação em Cadeia", de 1983. A surpresa geral com o seu talento na representação, que culminou na nomeação para o Óscar de Melhor Atriz Secundária. contrastou com a reação inicial de escárnio quando o "casting" foi anunciado, incluindo reações de riso durante uma sessão de teste do filme quando o seu nome apareceu no ecrã.
Dois anos mais tarde foi o júri Festival de Cannes a atribuir-lhe o prémio de Melhor Atriz por "A Máscara", de Peter Bogdanovich, o primeiro filme e sucesso de bilheteira como protagonista.
A consagração chegou em 1987, quando, além do mais banal "Sob Suspeita", de Peter Yates, entrou em "As Bruxas de Eastwick", onde se juntava a Susan Sarandon e Michelle Pfeiffer para enfrentar um "diabólico" Jack Nicholson , e "O Feitiço da Lua", de Norman Jewison, contracenando com Nicolas Cage, Olympia Dukakis, Vincent Gardenia e Danny Aiello.
Os dois filmes entraram no top 10 dos mais rentáveis do ano, mas foi o segundo, onde era a carismática viúva italiana prestes a voltar a casar-se quando conhece e se apaixona pelo irmão mais novo do noivo, que lhe valeu o Óscar de Melhor Atriz, batendo Meryl Streep, Glenn Close, Holly Hunter e Sally Kirkland.
Ao mesmo tempo, relançou com sucesso a carreira como cantora e fazia sensação pelo estilo de vida controverso, as roupas, as operações plásticas e os namorados mais novos, mas o sucesso e impacto cultural de "O Feitiço da Lua" tornaram Cher, no auge, mais cautelosa na gestão na carreira.
"A Minha Mãe é uma Sereia", ao lado de Bob Hoskins, Winona Ryder e Christina Ricci, onde homenageava a própria progenitora com o papel de uma mãe solteira pouco convencional, só chegou em 1990 e após dois realizadores despedidos. E apesar do sucesso, os problemas na rodagem pesaram na rejeição de vários projetos, como "A Guerra das Rosas" e "Thelma & Louise", que foram más decisões de carreira.
Com exceção da sua intervenção como atriz secundária e co-realizadora da minissérie da HBO "Perseguidas" (1996), a carreira de Cher nunca mais se aproximou da popularidade e respeito que conquistou quando se redefiniu como atriz dramática entre 1983 e 1990: fez dela mesma em dois filmes de Robert Altman, "O Jogador" (1992) e "Prêt-à-Porter" (1994); entrou na comédia "Fielmente Teu" (1996), que recusou promover por achar "horrível"; recebeu elogios com Judi Dench, Joan Plowright, Maggie Smith e Lily Tomlin pelo simpático "Chá com Mussolini" (1999); e divertiu-se a gozar consigo mesma em "Agarrado a Ti" (2003).
Uma aposta mais a sério foi o musical "Burlesque" (2010), ao lado de Christina Aguilera, mas nem a sua classe conseguiu salvar o equívoco.
Para os fãs, houve pelo menos a alegria recente de "Mamma Mia! Here We Go Again" (2018), onde era a mãe de Meryl Streep (!) e avó de Amanda Seyfried: apesar de saber a pouco para matar as saudades do talento como atriz, confirmou que continua a saber, como poucas, dominar todas as atenções.
O papel no empoderamento das minorias
Em 2020, Orquídea Cadilhe, professora no Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, defendeu a tese de doutoramento "Cher: entre o mito da celebridade e o empoderamento das minorias. Transmutações da 'mulher desviante'". No resumo publicado no site Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho, a autora explica que a tese "propõe o estudo do conceito de 'mito da celebridade', enquanto fenómeno cultural, em diálogo com os estudos performativos e os estudos de género".
"Em particular, investiguei como a artista Cher tem vindo a dar um contributo crucial a esta dinâmica uma vez que persistentemente representa o mito da 'mulher desviante', a qual adota um infinito número de atitudes transgressoras e ameaça normas especificas da ideologia dominante. (...) Analisei ainda como Cher insiste em se colocar em espaços liminares, ajudando a promover a interseção entre margem e centro e a eliminar as linhas de divisão entre grupos sociais", explica Orquídea Cadilhe na tese.
"Cher está à frente de seu tempo desde que começou a sua carreira, construindo o caminho para o pós-modernismo e o pós-feminismo", frisa a professora da Universidade do Minho na conclusão de "Cher: entre o mito da celebridade e o empoderamento das minorias. Transmutações da 'mulher desviante'".
Citada pela RUM, a autora da tese defende ainda que "a mensagem acaba por ser muito consistente, nomeadamente ao nível do empoderamento de minorias, como as étnicas ou a comunidade LGBT".
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